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Duas Bloggers, Duas Histórias, Uma Doença : A Anorexia.

Duas bloggers, irmãs na doença, juntaram-se num só blog para contarem as suas vitórias. O nosso objectivo será sempre ajudar (se possível) quem esteja a passar por esta doença... a anorexia!

Marcas da anorexia - Catarina

Venci a anorexia mas ela não se foi sem deixar marcas profundas em mim. Quem para mim olha não as vê mas eu sei que estão lá. Durante anos tive dores horríveis nos ossos, era incapaz de tomar banho na água do mar, o frio trazia dores agonizantes. Tudo porque fiquei com muita falta de cálcio, tive mesmo principio de osteoporose. Com o tempo e com uma alimentação equilibrada os osso conseguiram recuperar e hoje estão a em porcento.

Também os dentes foram muitíssimo afectados. A falta de cálcio e o facto de mascar pastilha de manhã  à noite  ( li nalgum lado que mastigar pastinha queimava calorias e por isso fazia-lo o dia todo) trouxeram-me muitos dissabores. Muitas foram as noites que passem em claro a chorar por não aguentar mais as dores que sentia. Muitas foram as vezes em que me apeteceu chegar ao dentista e pedir para que me arrancasse os dentes todos, se não os tivesse não me poderiam fazer sofrer. Foram precisos alguns anos e imenso dinheiro para deixar de ter problemas. Lembro-me do desespero do dentista que me dizia que eles se deterioravam mais depressa do que ele os conseguia arranjar nas consultas semanais. Com o passar do tempo o cálcio lá foi reposto e hoje tenho os dentes um pouco mais fortes.

O meu cabelo e unhas também sofreram com a doença. O cabelo ficou tão fino e baço que tive que o cortar curto no auge da doença. As unhas tornaram-se fracas e quebradiças. Hoje em dia olho para o meu cabelo e para as minha unhas e sei que não são nem de perto nem de longe o que já foram. Eu tinha tanto cabelo mas tanto cabelo que nem quando queria fazer um rabo de cavalo mal conseguis dar duas voltas no elástico. Hoje em dia posso dar quatro voltas e mesmo assim o elástico fica largo. As unhas eram forte e rijas quando hoje partem-se imenso. Já se passaram tantos anos que já não tenho fé nenhuma que algum dia voltem a ser o que eram.

A principal mazela com que fiquei foi mesmo no sistema digestivo. Sempre fui bastante sensível de estomago mas depois da doença fiquei pior. Muitas são as vezes em que passo mal e acabo com gastroenterites quando todas as pessoas que comeram o mesmo estão de perfeita saúde. Fujo dos fritos e picantes mas mesmo assim é uma miséria.

Agradeço todos os dias pela qualidade de vida que tenho porque, no fundo, sei que até não me posso queixar, poderia ter ficado com sequelas muito piores.

O blog também foi à Sic... com a Catarina!

 Há umas semanas fomos contactadas pela Patrícia, da Sic, para participarmos num programa chamado "A Vida nas Cartas - O Dilema" com as nossas histórias e o nosso pequeno projecto. Porém, sendo eu de longe, não me pude deslocar até perto da nossa Catarina e disse-lhe que confiava nela para contar a sua história e falar sobre o nosso blog. Sem dúvida alguma que a nossa menina é uma óptima oradora e não poderia representar melhor este cantinho! Eu mesma não faria melhor nem sequer igual... (A sério, ela esteve mesmo bem, não esteve?)

O tempo de reportagem é curtinho, a sua história foi resumida ao máximo e conseguiu até falar sobre o " Duas Bloggers, Duas Histórias, Uma Doença : A Anorexia." Como foi falado pouquinho do seu trajecto, se quiserem conhecer melhor a história da nossa menina, basta carregarem em cima do nome da Catarina lá em cima. Assim conseguirão acompanhar toda a sua luta contra esta doença. 

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 Euzinha, que sou uma medricas nestas coisas, só tenho de agradecer a esta irmã que a doença me deu, por dar a sua voz, a cara (e eu sei que ela estava nervosa!), tempo e dedicação e ainda por partilhar a sua história connosco. Sinto-me extremamente orgulhosa desta mulher guerreira que, mesmo com tão pouco tempo pessoal disponível, ainda o perde a ajudar. E tenho de lhe agradecer por toda a dedicação a este projecto e por todo o carinho... Obrigada minha irmã!  Por teres até a coragem que eu não tenho...  E sei que desta vez te custou mais um bocadinho mas ficaste tão bem e representaste-nos tão bem!

 

Aproveito para agradecer todo o apoio que temos tido e todas as ajudas que já nos deram. Obviamente que não é só um projecto nosso, é de todos! Agradeço imenso. 

 

V*

 

A alta (Catarina)

A alta hospitalar chegou e embora estivesse ansiosa para sair sentia-me assustada ao mesmo tempo. As pessoas esperavam tanto de mim. Pensavam que eu iria sair milagrosamente curada, com um peso normal e uma óptima relação com a comida. No entanto isso não poderia estar mais longe da realidade. Continuava a comer pouco, a ser esquisita no que comia e a demorar uma eternidade a comer. Em breve começaram as pressões para comer mais e para comer de tudo. Não compreendiam que o meu estômago tinha reduzido de tamanho e que bastava comer mais um pouco para ficar mal disposta. Por vezes não conseguia fazer a digestão, o meu estômago inchava de tal maneira que só voltava ao normal na manhã seguinte. Acho que precisava da noite toda para decompor a comida que ingeria.

A pressão que sentia só fazia com que não me apetecesse comer, era o meu grito de revolta. A alta hospitalar trouxe-me uma liberdade acrescida porque tive permissão para voltar às aulas. Voltei à escola e percebi que tinha perdido a matéria quase toda. A pressão de querer ter boas notas em conjunto com a pressão que sentia para comer depressa começaram a fazer moça e voltei a deixar de comer.

Sai do hospital com 46 quilos. No fim de Março cheguei ao 47,5 e voltei a ter menstruação mas em Junho já andava de volta perto dos 40 e falava-se em novo internamento.

Foi também por essa altura que soube que a Catarina tinha falecido. Ali estava eu prestes a ser internada novamente, a sofrer por uma amiga que tinha sucumbido à doença quando percebi que ainda existia esperança para mim. Se tinha força para me matar à fome também haveria de ter forças para recuperar. Percebi que não queria morrer. Que não queria viver a minha vida em hospitais. Não queria continuar a provocar sofrimento aos que me amavam e não queria continuar a sofrer também.

Foi nessa altura que resolvi lutar por mim. Costumo dizer que a anorexia nervosa é uma vicio como a droga, o álcool ou o tabaco. Enquanto a pessoa não se mentaliza que têm aquele problema e resolve lutar não há nada que possamos fazer. A luta têm que partir de dentro  porque apenas nós nos podemos salvar de nós próprias.

Nos dois anos que se seguiram continuei a ser acompanhada no hospital. Fiz consultas de psiquiatria e psicologia se bem que com o tempo o intervalo entre consultas foi aumentando. Por fim chegou o dia em que a médica me disse que não precisava voltar mais mas que a porta dela estava sempre aberta para mim. Foi ai que percebi que não existe uma cura para esta doença. É uma doença que me irá acompanhar para o resto da vida. Ela segue-me como uma sombra para todo o lado. Espera por um momento de fraqueza para voltar a atacar. A diferença é que agora sei que ela me acompanha e sei o que fazer para nunca a deixar ser mais forte que eu.

O internamento (Catarina)

O internamento foi uma experiência dolorosa.  Fiquei sozinha num ambiente desconhecido.  Felizmente tinha duas companheiras de quarto, ambas com anorexia, que me acolheram e reconfortaram. Aos poucos fomos desenvolvendo amizade o que fez com que não me sentisse tão desamparada. O pior foi quando no primeiro fim-de-semana elas tiveram autorização para ir a casa e eu tive que ficar sozinha. Foi-me explicado que durante 15 dias não poderia sair do hospital o que significava que, entre o fim de tarde de sexta-feira e a noite de domingo estava entregue aos meus pensamentos. Também não podia ter telemóvel, precisava de permissão para fazer chamadas do telefone do serviço e os meus pais só me podiam ligar à noite.

Em parte até me sentia aliviada por não ter que falar com eles porque afinal a conversa acabava sempre da mesma forma. Acabava por falar com eles mais porque sabia que o Rodrigo passava todos os dias lá em casa para saber de mim. Era dele que mais sentia falta. Era o meu companheiro, o meu confidente. Para além de namorado era o meu melhor amigo, no fundo, acho que era o meu único amigo porque tratei de afastar os restantes.

Os dias passavam devagar. Contávamos as horas para a próxima refeição, comíamos e esperávamos pela seguinte. Nos intervalos entre  as refeições falávamos, riamos, brincávamos. Eu aproveitava para ler, pintar e escrever cartas que enviava pelos correios para o Rodrigo. Também recebia cartas dele, que lia e relia vezes sem conta.  Ainda as tenho todas guardadas com muito orgulho.

Todas as quintas-feiras tínhamos que nos pesar, antes do pequeno almoço, para ver o aumentado de peso.  Aprendemos a boicotar um pouco as pesagem na esperança que isso significasse que iríamos para casa mais cedo. Íamos para a balança de bexiga cheia e bebíamos um litro de água antes.  Todas as gramas interessavam para chegarmos ao peso que nos permitiria ir para casa.

A nossa relação com a comida continuava a ser problemática. As refeições demoravam uma eternidade e eram feitas em silêncio.  Nós esforçávamos-nos para comer tudo mas era difícil. Eu aprendi a fazer batota também na comida. Deitava o iogurte do meio da manha inteiro para o lixo.  À noite  fingia que estava a dormir quando me vinham dar a ceia, assim deixavam-me um pacote de leite que eu despejava pelo ralo do lavatório.

Apesar das falcatruas o peso ia subindo. As minhas amigas tiveram alta e coube-me a acolher outras meninas. Ao mesmo tempo vim a conhecer uma homónima que frequentava as consultas externas. Travamos uma amizade instantânea. Ela ia visitar-me muitas vezes, contava-me tudo o que estava a passar. Eu tentava dar-lhe coragem para pelo menos tentar aumentar um pouco o peso. Nunca tinha visto ninguém tão magra, tinha quase um metro e oitenta e pesava quarenta quilos.

Mais tarde invertemos papeis. Eu tive alta e ela acabou por ser internada.  Passei a ir eu visita-la. Contudo esteve lá pouco tempo porque recusou o tratamento. Como já era maior de idade não poderia ser mantida contra a sua vontade.  Recebi, uns dias mais tarde, uma carta por parte dos pais a informarem-me que tinha acabado por sucumbir à doença. Chorei.  Julguei-me uma má amiga por não ter sido capaz de a ajudar. Senti-me revoltada pela forma como a carta reflectia um certo alivio por parte dos pais. Depois percebi que deve ter sido um alivio para aqueles pais. Deixaram de ver a sua filha a morrer um bocadinho de cada vez. Deixaram de tentar incutir-lhe juízo. Deixaram de ter medo que morre-se caída nalgum canto.

Estás mais magra! - Catarina

Esta deve ser a frase que todas as mulheres sonham ouvir, todas menos eu. De tudo o que me podem dizer esta é, talvez, a frase que me cai mais mal. Principalmente se esta frase vêm de alguém que me é próximo. Por norma já sinto que as pessoas me pesam com os olhos de cada vez que me vêm e quando me dizem este tipo de comentários tenho a certeza que o meu peso continua a ser uma preocupação.

Sim sou magra. Sim por vezes relaxo-me com o comer. Sim por vezes esqueço-me de comer. Sim tenho fases em que sei que me deixo ir um pouco mais abaixo do que deveria. Contudo percebam que eu sei que fico mais magra, noto no espelho, noto na roupa, noto na cara e noto principalmente quando começo a morder as próprias bochechas.

Eu noto, não vivo em estado de negação. Não vou deixar de comer outra vez aliás nunca arriscaria a minha saúde. Sei que já o fiz no passado mas o que lá vai lá vai. Não precisam de ficar com medo se eu hoje não tenho fome porque amanhã ou depois já voltou tudo ao normal. Será que sou a única pessoa no mundo que têm oscilações de fome? Num dia como este mundo e o outro, no dia seguinte quase nem me apetece comer. 

Será que não somos todos assim? Num dia bebemos litro e meio de água e no dia seguinte só bebemos dois copos. Não? Serei só eu?

Sei que o facto de ter estado doente em adolescente causou muito transtorno, sim foi muito difícil. Mas foi uma batalha que ganhei. Uma batalha que me orgulho de ter ganho. Já diz o ditado "O que não nos mata torna-nos mais fortes". Sim é assim que me sinto, forte porque tomei as rédeas da minha vida. Porque quis viver, porque quero viver. Sim fui anoréctica, fui anoréctica não sou mais e nem faço intenções de ser nunca mais.

Não precisam de ter medo cada vez que eu perco um quilo ou dois porque depressa os recupero. Desde que me lembro que o meu peso têm sido este, um quilo ou dois a mais, um quilo ou dois a menos. Quem é que não é assim. Se uma pessoa perde peso existe logo alguém que vêm dar os parabéns. Se eu perco peso já anda tudo a mandar-me comer e prontos a internar-me nalgum lado.

Sou uma mulher adulta, tenho quatro filhos. Filhos que não teria sido capaz de geral se não fosse saudável. Eu sei que é difícil esquecer. Eu também não esqueço o que passei, o que passamos. Mas temos que deixar de viver com medo. Porque é medo que eu vejo muitas vezes nos vossos olhos e não posso deixar de pensar que não confiam no meu bom senso.

A continuação da doença (Catarina)

Devo dizer que a primeira consulta foi muito brusca, a doutora foi muito fria e directa. Explicou aos meus pais que eu já não comia nada à dias e que o que tinha vomitado eram os sucos gástricos que se estavam a acumular no estômago. Disse-nos que era uma forma que este orgão tinha de se defender porque os sucos como não tinham nada para decompor começavam a corroer as paredes do estômago. Disse-nos também que me ia fazer análises e que se não gostasse do resultado eu teria que ficar internada.

As análises acabara por se revelar mais ou menos e tivemos a oportunidade de tentar o tratamento em casa. Sai do hospital com 43 kg e com um dieta estipulada. Nesse dia ainda comi qualquer coisa devido ao susto mas há noite senti-me tão mal por ter comido. Passei a noite a pensar que  o dia seguinte tinha que me esforçar para queimar as calorias todas que tinha comido. No fundo era sempre isto que acontecia, cada vez que cedia e comia alguma coisa crescia uma raiva de mim própria e surgia uma onda de força que me impelia a não comer.

Os dois três meses que se seguiram foram vividos em martírio. A família apertou o cerco e eu inventei novas formas de fingir que comia. Escondia comer em guardanapos, nos bolsos, nas mangas. Cheguei a colar sacos na zona do peito que me permitiam cuspir o comer através da gola da camisola. Redobrei o exercício e o peso continuou a diminuir. Voltei à medica mais magra e fiquei proibida de sair de casa. Valia tudo para evitar que eu queimasse calorias. A médica receitou-me suplementos alimentares para me ajudar a aumentar de peso. Os meus pais compravam aquilo e era caro, seis pacotes custavam mais de 25 €. Eu pegava naqueles pequenos pacotes de 200 ml e despejava-os  na sanita ou lavatório sem qualquer remorso. Os meus pais compravam tudo o que eu gostava, gastaram uma pequena fortuna comigo e eu deitava tudo fora sem pensar duas vezes.

Quando penso em mim nessa altura digo que parecia que não tinha emoções. A doença tomou conta de mim e transformou-me num robot cuja única missão era não comer. Não me importava com o sofrimento que causava aos outros só me importava comigo. Costumo dizer que precisava de não comer como um drogado precisa da próxima dose.

O ambiente em casa tornou-se insuportável. As refeições eram passadas em silencio e com os olhos pregados em mim, eu cortava o comer em pequenas migalhas e tentava espalha-las no parto de forma a parecer que tinha comido algo. O que eu comia de menos o meu irmão comia demais. Engordou imenso nessa altura, depois viemos a saber que é perfeitamente normal que isto aconteça a familiares próximos. Sentem o instinto de comer o que nós não comemos como se conseguissem transferir a comida para o corpo dp doente.

A minha mãe passava os dias a chorar, o meu pai chegou a dormir no carro só para fugir ao que se passava. Um dia estávamos a discutir e o meu pai levantou-se e disse que se ia atirar da janela porque não aguentava mais.

Acabei por pedir à medica para me internar porque queria sair de casa. Não aguentava as discussões, os choros, os olhares. A médica concordou que estava na altura e combinamos que daria entrada depois do ano novo. Foi assim que em Janeiro de 2000 dei entrada no hospital com 38 kg.

A doença - Catarina

Na verdade não sei quando deixei de estar a fazer dieta e passei a estar doente. Inicialmente comecei a saltar refeições. Saia da escola dizendo que ia almoçar a casa, chegava a casa e não comia nada. Se, por acaso, a minha mãe já estivesse em casa dizia que tinha almoçado na escola. Comecei também a deixar de jantar. Como os meus pais tinham um restaurante na altura chegavam sempre depois da hora de jantar. Tínhamos sempre comer feito no frigorífico pelo que só tínhamos de o aquecer. Eu dava-me ao trabalho de tirar comer para um prato e deitar tudo na sanita. Assim os meus pais viam a loiça suja no lava-loiça e notavam que havia menos comida no tupperware.

Comecei também a evitar o autocarro e a caminhar o percurso entre escola e casa. Entre Setembro e Novembro perdi imenso peso. Lembro-me de me pesar quase diariamente e de todos os dias a balança marcar menos. Em Novembro a minha mãe resolveu levar-me ao médico porque achou que eu tinha emagrecido bastante. Na altura tinha perto de cinquenta quilos e a médica desvalorizou a minha perda de peso. Acho que era normal eu começar a ter uma preocupação com o meu corpo mas não viu sinais alarmantes até porque lhe menti e disse que comia de tudo. Continuei a perder peso e em Dezembro deixei de ter menstruação. Consegui esconder o assunto da minha mãe mas no mês seguinte ela percebeu o que se passava. Tornou a levar-me à médica que ficou um pouco alarmada por eu ter perdido mais quatro quilos em apenas dois meses. Sai do médico com prescrição para fazer análises e com nova consulta para quinze dias depois. Quando voltei já tinha menos dois quilos e as análises estavam com alguns valores alterados. Fomos encaminhados para a especialidade mas teríamos que esperar que nos indicassem a data da consulta.

Enquanto isto ia de mal a pior, passei de comer pouco para não comer nada. Passava ao dias sem comer, fazia imenso exercício, deixei de conseguir dormir. Deitava-me na cama à espera que os meus pais fossem dormir e assim que os ouvia a dormir levantava-me. Passava a noite a ver televisão, a jogar jogos ou simplesmente a contabilizar a quantidade de comer que tinha ingerido e a planear o que poderia comer no dia seguinte. Entretanto uma prima arranjou através de uma amiga o nome de uma especialista em Santa Maria. A psicóloga amiga teve até amabilidade de escrever uma carta para entregarmos em mão à doutora. Recebemos a carta e esta ficou pousada no móvel da entrada. No fundo havia a esperança que eu conseguisse dar a volta por cima mas essa esperança acabou por desaparecer pouco depois. Lembro-me de acordar na minha cama com o sol a raiar. Estranhei ter conseguido dormir, levantei-me e comecei a sentir-me mal disposta. Pensei que era melhor comer alguma coisa, não me recordava quando tinha sido a ultima vez que tinha comido algo. Coloquei uns cereais daqueles integrais na boca e senti-me desfalecer. Tentei correr para a casa de banho e gritei pela minha mãe. Só me lembro de perder as força e começar a vomitar. Senti a minha mãe a apoiar-me e consegui chegar à sanita. Vomitei imenso, o vómito tinha uma cor esverdeada e um cheiro indescritível.Queimava tudo por onde passava, sentia todo o meu esófago a arder. Era de tal forma acido que tirou todo o brilho ao chão no sítios onde caiu. Quando finalmente acabou os meus pais levaram-me para a cama deles. Deitei-me no meio deles como quando era pequena e tivemos uma longa conversa. Melhor dizendo eles falaram e eu chorei o tempo todo. Eles explicaram-me que não podia continuar assim e que me iam levar ao hospital. Vestimos-nos e fomos fazer plantão à porta do serviço para falar com a doutora. Quando a doutora chegou explicaram-lhe que estávamos à espera dela e ela mandou-nos entrar...''

E como se juntam duas bloggers que não se conhecem?

Bem, este post é uma surpresa á nossa Catarina... uma espécie de homenagem á guerreira que ela é e que admiro imenso! 

 

Vamos começar pelo princípio, certo? Pois bem, ambas já interagiamos no blog pessoal de cada uma sem sabermos da história de vida uma da outra, já tínhamos criado até alguns laços com o tempo. Um dia, uma rapariga, a Goretti, pedia nos blogs que a ajudassemos na sua tese, contando problemas alimentares. Eu, que nem sou nada desbocada, partilhei um pouco da minha história e a Catarina comentou que também tinha passado pelo mesmo. Trocamos histórias de vida e foi assim que nasceu esta irmandade.

Pouquíssimo tempo depois, fui contactada pela rtp para ir contar a minha história. Como estava a terminar o meu estágio não podia estar a pedir dias para lá ir e achei que a Catarina seria perfeita para nos representar. Contei á pessoa,  contactei a Catarina (claro!) e ela acabou por ir. Foi super prestàvel, embora estivesse nervosa. E acham que haveria alguém melhor para nos representar que uma pessoa que passou pela doença e agora é uma mãe babadona destas? Não! A Catarina era perfeita para falar por nós. (E esteve tão bem.)

E assim foi. No fim, tanto ela como eu achamos que nos soube a pouco, que abordaram pouco o assunto e que este tema merecia ser mais divulgado. Foi assim que nasceu o desejo de criar este blog. Após uns meses a falar, de pesquisas, de muito trabalho na escolha do nome e de como iríamos fazer isto, foi criado este menino. E já lá vai quase um mês e com um feedback fantástico. Obrigada a todos por isso!

 

Bem, vamos ao que interessa. Isto será sobre a Catarina. É um agradecimento da minha parte a esta pessoa fantástica. E porquê? Porque a admiro imenso , não só por causa do seu passado e do seu presente mas por ser sempre uma pessoa disponível para tudo e que tem ideias fantásticas que eu não teria. É por ela que este blog acaba por ter mais vida.

Obrigada minha linda, não poderia ter conhecido uma ''irmã na doença'' mais atenciosa e simpática. 

 

 E agora, convido-vos a ver a nossa Catarina no programa "Agora Nós" a dar a voz por nós. Obrigada Catarina ( Ela esteve tão bem, não esteve???)

 

Cá está o link:

http://media.rtp.pt/blogs/agoranos/artigos/viver-com-anorexia_8288

 

O inicio - Catarina

Nunca gostei muito do meu corpo. Não sei bem porque mas a verdade é que nunca me senti à vontade com ele. No entanto vivia feliz, era uma autêntica maria rapaz. Adorava jogar à bola, ao berlinde, ao mata, subir às árvores, etc. Por volta dos doze anos o meu corpo mudou e a minha vida tomou um rumo diferente. Deixei de ser a companheira dos rapazes porque passei a ser alvo de admiração. Não me pude juntar às raparigas porque nunca fomos muito amigas e para além disso eram demasiado infantis para mim.

Deixei de ser uma rapariga que se dava bem com todos. Eu continuava a querer dar-me bem com todos mas os rapazes já não me tratavam da mesma forma. Nunca me achei bonita nem interessante mas o facto de ter desenvolvido corpo de adolescente primeiro que as outras transformou-me numa garota popular. O problema é que eu não queria ser popular. Não queria ver os meus amigos lutarem porque um deles me acertou com uma bola e me poderia ter aleijado. Não queria ter que cumprimentar a escola toda quando entrava e ser apresentada a rapazes a toda a hora. Aos doze passava perfeitamente por dezasseis pelo que podem imaginar que a atenção vinha de todas as faixas etárias.

Aos treze eu e uma das minhas poucas amigas apaixonamos-nos pelo mesmo rapaz. Eu ganhei o rapaz mas afastei a amiga embora esta me tivesse dito que não havia problema. Mais tarde no verão fiquei um mês na terra do meu pai. Ao longo deste tempo foram passando visitas. Umas das visitas foram uns primos que acabaram por deixar connosco o enteado do meu primo. Ele era mais novo do que eu mas sempre nos demos muito bem. Tornamos-nos inseparáveis, jogávamos cartas, passeávamos, conversávamos. Senti que tinha ganho um amigo para a vida até que regressamos a Lisboa e nunca mais tive noticias dele. Estranhei o facto de se afastarem de um momento para o outro, vim depois a saber que regressou de férias apaixonado por mim e a mãe achou por bem impedi-lo de me ver. Mais uma vez perdi um amigo e senti-me sozinha.

Ao chegar aos quatorze vi-me numa relação sem perceber bem como. Nunca amei o rapaz em causa mas tinha muita pena dele. Conheci-o e aos poucos fui sabendo da história familiar dele. Sofrimento atrás de sofrimento e não fui capaz de lhe causar mais desgosto. Contudo depressa percebi que nunca o iria amar, a nossa relação iria basear-se no facto de sentir pena dele o que não era aceitável para nenhum dos dois. Ao mesmo tempo conheci o meu marido e percebi que não poderia continuar com aquela farsa.

Acabei o namoro, a noticia espalhou-se e no dia seguinte já tinha o meu homem à perna.Poderiam ser tempos felizes mas a verdade é que não foram. O meu ex ligava-me todos os dias alcoolizado. Chorava e pedia-me para voltar para ele. Perguntava-me o que tinha feito de mal e ameaçava matar-se. Eu morria de medo que se matasse afinal a mãe dele já o tinha feito e tinha sido ele a encontrá-la. Temia o que seria dos três irmãos mais novos se ele fizesse uma loucura. Sentia-me mal, sentia-me lixo. Afinal eu tinha trazido aquilo para a minha vida. Eu tinha brincado com os sentimentos dele embora não por maldade. Juro que o tentei amar mas não mandamos no coração.

Todos os dias a mesma coisa. Tremia de cada vez que o telefone tocava mas corria imediatamente para ele com medo que a minha mãe atendesse. Ouvia-o chorar, eu chorava do lado de cá e sentia-me a pior pessoa do mundo. Não podia falar com ninguém. Não podia contar à minha mãe, tentei contar as amigas mas para elas eu só tinha que deixar de lhe dar troco. Tentei contar ao Rodrigo, ele ouvia-me mas ficava ruído de ciumes. Tratei então de guardar tudo para mim e tentar arranjar uma solução. Após alguma reflexão percebi que o meu corpo era o culpado por tudo o que me corria mal na vida. Achei que se emagrece-se  meu ex ia deixar de gostar de mim. Os outros rapazes iam deixar de olhar para mim afinal eles gostavam era de curvas. Se eu não tivesse curvas tudo iria melhorar e eu iria conseguir ser feliz.

E foi assim que eu resolvi perder 5 kg.

 

Beijinhos,

Catarina