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Duas Bloggers, Duas Histórias, Uma Doença : A Anorexia.

Duas bloggers, irmãs na doença, juntaram-se num só blog para contarem as suas vitórias. O nosso objectivo será sempre ajudar (se possível) quem esteja a passar por esta doença... a anorexia!

Vocês perguntam. Nós respondemos # 5

A semana passada não houve oportunidade de responder à nossa rubrica mas esta semana voltamos em força. Vamos então esclarecer a B que nos deixou a seguinte pergunta:

 

P: Gostaria de saber em que idade é que a doença se manifestou e a sua duração?

 

Catarina: No meu caso a doença manifestou-se aos quatorze anos de idade. Fui sempre perdendo peso durante o ano seguinte. Quando tinha quase dezasseis anos sofri um internamento de dois meses. Sai do hospital com um peso aceitável mas depressa o recomecei a perder. Cerca de meio ano mais tarde levantou-se a questão de um novo internamento e foi quando me convenci que tinha que lutar. Recomecei a recuperar até atingir o peso minimamente saudável. Mesmo assim ainda tive consultas durante mais dois anos. Claro que a regularidade das mesmas foi diminuindo até chegar ao dia em que tive a tão esperada alta, tinha dezoito anos.

Vânia: A anorexia esteve presente na minha vida mesmo sem nós percebermos. Desde pequena que não gostava de comer e não tinha fome... Mas a anorexia nervosa manifestou-se nos meus 15 anos, 16, talvez. Não sei ao certo a idade pois confesso que nunca fui muito de comer. Mas foi nessa altura em que passei só a comer a tal meia maçã de que já falei e perdi 20 kgs em muito pouco tempo.
Entre consultas e fases, pesagens, análises, soro, vitaminas e ameaças de internamento foram uns 5/6 anos. Não tive uma ''alta'' pois depois da anorexia fiquei com uma hérnia no hiatos e a má relação com a comida continuou, assim como as idas ao hospital levar soro. Não tive sorte nisso...
Penso que há uns 6 anos que posso dizer que estou bem.

Para a semana irão saber a resposta à pergunta da Filipa Iria, fiquem atentos.

 

Vocês perguntam. Nós respondemos!

Só para informar que continuamos a aceitar perguntas para a nossa rubrica Vocês perguntam. Nós respondemos.

Façam as perguntas que quiserem, sem medos. Nós vamos tentando responder a todas, cada uma num post de forma a que a pergunta possa ser esclarecida por nós, pela nossa experiência e pontos de vista. 

Beijinhos e Bom Fim de Semana,

Catarina e Vânia

Outras histórias...

Saiu um artigo no Expresso que nos foi somente um bocadinho familiar. Sim, "somente um bocado familiar" pois nenhuma de nós chegou ao ponto em que a protagonista desta história chegou.

Também a nossa querida Débora, do blog Heidiland, achou interessante esta matéria e lembrou-se de a partilhar conosco. Partilhamos convosco também (poderão ver a matéria completa em A anorexia tirou-lhe dez centímetros de altura. E muito mais.).

 

"Levados ao limite, os distúrbios alimentares matam. Tratados, são curáveis. No verão, as adolescentes expõem os corpos, comparam formas, tomam decisões. Algumas escolhem o caminho da privação alimentar. Desde 2010 realizaram-se 12.858 consultas e só em 2015 foram 47 os internamentos no Hospital de Santa Maria. Patrícia é um caso-limite. Há 25 anos sofre de anorexia nervosa. A doença provocou-lhe uma severa osteoporose e, quando estava a morrer, apenas nos Estados Unidos encontrou solução para lhe sustentar a coluna. Conta o que passou para que não se repita"

 

"Aos 34 anos, o peso mínimo que Patrícia chegou a ter foi 20 quilos. Pouco, para quem media 1,60 metros. O cérebro deixou de responder a contento e os órgãos começaram a falhar. Hoje, depois de vários internamentos e de uma complexa cirurgia nos Estados Unidos, Patrícia pesa 38 quilos e come para mudar um percurso de vida marcado por uma anorexia nervosa grave. Pelo caminho perdeu dez centímetros de altura e ganhou oito parafusos cromados na coluna. Escolheu morrer, mas foi-lhe dada a oportunidade de viver e por isso decidiu contar a sua história. Porque acredita que será possível ajudar outras jovens a evitar a privação alimentar severa.

 

1. NO INÍCIO, LAVAVA AS MÃOS

“Desde que sou gente que me recordo de ter uma relação especial com a comida. Lembro-me de estar sempre a lavar as mãos, até criar frieiras. Acho que comecei a fazê-lo com nove anos. Pensava que tudo o que entrasse no meu corpo tinha de ser puro. No fundo da minha memória há uma recordação de estar a mamar e não querer, sentir repugnância.”

Assim, num golpe, Patrícia explica como o distúrbio alimentar começou. Como se fosse indissociável da própria identidade. A doença foi-lhe diagnosticada aos 13 anos, quando passou a ser acompanhada psicologicamente. Tem 39 e é considerada pela equipa que a acompanha no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, como um dos casos mais graves que ali deram entrada. É um exemplo limite que serve para mostrar até onde a privação alimentar pode levar uma pessoa. A maior parte dos casos de anorexia nervosa que são tratados recuperam e apenas 30% se tornam crónicos (ver entrevista abaxo). É o caso de Patrícia. Nada no seu relato é ficcional.

 

2. LINHAS ARREDONDADAS NÃO

“Não gostei de ver os meus seios a crescer e as ancas a arredondar. Comecei a usar T-shirts em cima de T-shirts para esconder o corpo. Queria travar aquilo. Tinha medo. E não era de comida. Não sei do que era. Aos 13 anos fui fazer uma ecografia porque a minha menstruação não era regular e encaminharam-me para uma consulta psiquiátrica. Foi no verão e o médico recomendou o internamento. Na altura, eu estava sempre a pensar no que poderia fazer para não comer. Tinha muita fome, mas, mais importante do que me saciar, era encontrar uma forma de enganar as pessoas e não comer. Cheguei a pesar 27 quilos.”

Durante dois meses Patrícia esteve internada. No hospital, apenas outra jovem, então com 20 anos, lhe servia de espelho. Foi a primeira vez que conviveu com uma pessoa com anorexia. Alguém que conseguia ser ainda mais magra do que ela. Um dos passatempos era a comparação do diâmetro das coxas e a outra batia-a aos pontos porque tinha as pernas ainda mais estreitas. Em ambas, o mesmo sentimento de desconforto e inadaptação.

 

3. GANHAR PESO E AINDA SER MAGRA

“Entre os 15 e os 28 anos pesei cerca de 45 quilos e estava satisfeita porque ninguém me chateava e ainda diziam que era magra. Acabei o colégio, entrei para Arquitetura, fui estudante Erasmus em Paris, comia baguetes. De volta a Lisboa, comecei a trabalhar em cinema, à frente das câmaras, e parecia que finalmente me tinham dado uma vida para viver: a da personagem. Quando atuava não pensava em comida. Foi a altura em que me senti feliz no meu corpo. Mas o meu único irmão morreu de leucemia. Eu tinha 28 anos e ele tinha 31.”

Não comer foi a saída encontrada por Patrícia para lidar com a perda. Em causa já não estava o objetivo de ser magra, simplesmente não conseguia comer. O corpo dela estava programado para ter fome e no fim do curso pesava 32 quilos. Passaram-se seis anos de alimentação insuficiente, durante os quais foi perdendo peso, gordura, músculos. Tinha dores terríveis e ficou encurvada. Os órgãos estavam comprimidos, sem espaço para funcionar corretamente, sofria de diarreia. O pescoço não podia sustentar-lhe a cabeça. Patrícia não queria, mas, mesmo que quisesse, não conseguia alimentar-se. Aproximou-se do peso limite: 20 quilos.

 

4. RESPIRAR, SÓ NOS ESTADOS UNIDOS

“Aquela era a pior maneira de estar viva. Sofria de um achatamento intervertebral devido à osteoporose causada pelos muitos anos de anorexia. Estava disforme e custava-me respirar. Certo dia, enquanto fazia exercício, senti a coluna estalar e as vértebras ruir. Procurei ajuda na internet e um cirurgião respondeu-me do Hospital Monte Sinai, em Nova Iorque. Disse que me operava se eu pesasse 20 quilos. Tinha 34 anos e aqui em Portugal ninguém queria ajudar, diziam que não tinha peso suficiente para suportar a cirurgia. Estava a morrer. A operação nos Estados Unidos era muito cara, mas o meu pai, que sempre foi o meu pilar, já tinha perdido um filho e sabia que estava a perder a única filha que lhe restava. Vendemos a nossa casa em Lisboa. Era a minha vida ou a casa.”

A cirurgia de osteosíntese para juntar as vértebras da coluna com parafusos no Monte Sinai em 2012 custou cerca de 270 mil euros aos pais de Patrícia. Tiveram de se mudar para uma casa da família na zona da Covilhã. E foi ela quem tratou de tudo para partir. Além dos detalhes burocráticos, do envio de exames por e-mail, era preciso preparar a alimentação: saquinhos com cereais integrais e tofu. Em Nova Iorque, o neurocirurgião que a operou ficou tão impressionado com a situação que não hesitou em avançar, apesar dos riscos. No dia em que completou 35 anos, Patrícia foi operada.

 

5. NA CIDADE QUE NÃO DORME

“Quando cheguei ao hotel, parecia que todos olhavam para mim por ser tão magra. No hospital, nas vésperas da operação, os médicos mandaram-me comer tudo o que conseguisse, um conselho assustador para qualquer anorética. Eu pensava que não iria suportar a cirurgia e sentia-me tranquila por ir morrer. Estava à espera disso há muito tempo. Mas no dia a seguir à operação, acordei. Foi uma sorte. Agora quero viver. Nunca mais quero sentir a sensação de ter menos de 35 quilos, quando o meu cérebro não me responde. Quanto mais alimento dou ao meu corpo, menos anoreticamente eu penso.”

Patrícia partiu sozinha para Nova Iorque. Com ela, levava os seus 20 quilos e pequenos sacos com amêndoas secas. Ficou cerca de um mês. A recuperação foi dura porque tinha dificuldade em andar devido à falta de forças e o movimento fazia parte do tratamento. Os médicos insistiram, apoiaram-na. O corpo dela assemelhava-se ao de uma mulher com 80 anos. Depois da cirurgia, usava um colete plástico para alinhar a coluna e tinha uma grande cicatriz nas costas.

 

6. NADA É MAIS PERFEITO DO QUE O ZERO

“De regresso a Portugal, continuei a restringir a alimentação. E a fazer exercício. Como não consigo fazer muito mais, andava. Acordava de madrugada, saía descalça, no frio, e andava muito, subia escadas. Quando cheguei aos 22 quilos fui internada no Hospital da Covilhã e entubaram-me, alimentaram-me por sonda. Foi como se tivesse sido violada. Mas sobrevivi. Vim para Lisboa para novo internamento. Há dez anos que nada mais se passa na minha vida. Mas desta vez vai correr bem: finalmente fiz as pazes com a morte do meu irmão.”

Este ano, em Santa Maria, Patrícia não foi sedada. Medicada, sim. Os médicos administraram-lhe uma dieta hipercalórica. Hoje, quando se deita, os parafusos doem-lhe. Estão lá para ficar. Pesa 38 quilos e a meta são os 40. Sabe que se baixar novamente para os 20, morre. O corpo parou de se desmoronar, mas há um longo caminho a percorrer. Deixar de comer dá-lhe imenso prazer: “Ainda sou prisioneira, continuo a pensar que nada é mais perfeito do que o zero, que um corpo vazio está limpo e organizado. O meu corpo é o meu campo de batalha. 

Por: Christiana Martins

 

Nós as duas desejamos imensa força a esta guerreira. Nenhuma de nós passou pelo mesmo que ela mas ficamos solidárias e achamos de extrema importância mostrar no nosso blog a história da Patricia. 

Um beijinho na alma desta guerreira... e um nas vossas! 

 

Estás mais magra! - Catarina

Esta deve ser a frase que todas as mulheres sonham ouvir, todas menos eu. De tudo o que me podem dizer esta é, talvez, a frase que me cai mais mal. Principalmente se esta frase vêm de alguém que me é próximo. Por norma já sinto que as pessoas me pesam com os olhos de cada vez que me vêm e quando me dizem este tipo de comentários tenho a certeza que o meu peso continua a ser uma preocupação.

Sim sou magra. Sim por vezes relaxo-me com o comer. Sim por vezes esqueço-me de comer. Sim tenho fases em que sei que me deixo ir um pouco mais abaixo do que deveria. Contudo percebam que eu sei que fico mais magra, noto no espelho, noto na roupa, noto na cara e noto principalmente quando começo a morder as próprias bochechas.

Eu noto, não vivo em estado de negação. Não vou deixar de comer outra vez aliás nunca arriscaria a minha saúde. Sei que já o fiz no passado mas o que lá vai lá vai. Não precisam de ficar com medo se eu hoje não tenho fome porque amanhã ou depois já voltou tudo ao normal. Será que sou a única pessoa no mundo que têm oscilações de fome? Num dia como este mundo e o outro, no dia seguinte quase nem me apetece comer. 

Será que não somos todos assim? Num dia bebemos litro e meio de água e no dia seguinte só bebemos dois copos. Não? Serei só eu?

Sei que o facto de ter estado doente em adolescente causou muito transtorno, sim foi muito difícil. Mas foi uma batalha que ganhei. Uma batalha que me orgulho de ter ganho. Já diz o ditado "O que não nos mata torna-nos mais fortes". Sim é assim que me sinto, forte porque tomei as rédeas da minha vida. Porque quis viver, porque quero viver. Sim fui anoréctica, fui anoréctica não sou mais e nem faço intenções de ser nunca mais.

Não precisam de ter medo cada vez que eu perco um quilo ou dois porque depressa os recupero. Desde que me lembro que o meu peso têm sido este, um quilo ou dois a mais, um quilo ou dois a menos. Quem é que não é assim. Se uma pessoa perde peso existe logo alguém que vêm dar os parabéns. Se eu perco peso já anda tudo a mandar-me comer e prontos a internar-me nalgum lado.

Sou uma mulher adulta, tenho quatro filhos. Filhos que não teria sido capaz de geral se não fosse saudável. Eu sei que é difícil esquecer. Eu também não esqueço o que passei, o que passamos. Mas temos que deixar de viver com medo. Porque é medo que eu vejo muitas vezes nos vossos olhos e não posso deixar de pensar que não confiam no meu bom senso.

A doença - Vânia

(Continuação daqui)

...e essa meia maçã começou a ser a única coisa que comia todos os dias por volta da hora de almoço. Quando o corpo me pedia mais alguma coisa, ou seja, quando eu me começava a ir abaixo, comprava uma fatia de salame- e não a comia toda. Mas isso apenas acontecia esporadicamente.

Emagreci muito. E em pouco tempo. Usava roupas largas já antes de emagrecer por isso era difícil de se perceber os quilos que já tinham sido perdidos.
Embora existisse sempre uma preocupação da minha mãe sobre as minhas refeições, eu mentia. Não tenho jeito para mentir. A sério que não! Sou daquelas pessoas que vão a meio da mentira e já se estão a rir feitas parvas. Mas nesta altura tornei-me numa mentirosa ''profissional''. Dizia que tinha comido bem na escola ou com os meus amigos de escolas diferentes (ela não sabia quem era por isso estava tranquila). Aos meus amigos dizia que tinha de comer em casa. Coisas do gênero. As mentiras iam saindo conforme os dias. Embora ache que a minha mãe começava a desconfiar pois as perguntas eram cada vez mais frequentes, penso que ela nunca esperou que chegasse ao ponto que cheguei. Até porque, há quase 15 anos, a anorexia não era tão conhecida como é agora e a maioria das pessoas nem sabiam o que isso era.
Um dia, ao entrar no duche, a minha mãe entrou na casa de banho e ficou preocupada. Segundo ela, ''dava para contar os ossos''.
Decidiu marcar consulta na médica de família. Foi aqui que fui diagnosticada, deveria ter 15 ou 16 anos, talvez. E seguiram-se tempos de consultas semanais, quinzenais e depois mensais. Entre pesagens, medições, análises, exames e vitaminas, as minhas notas baixaram e quis desistir da escola no meu 11ano mas a minha mãe não deixou. Nunca tive uma negativa, mas baixei imenso a média que tinha e isso desmoralizou-me. Desisti de dançar no rancho folclórico (adorava dançar e conhecer pessoas de todo o país) pois não tinha forças para longas viagens e para o meu fato que até era pesado. Apesar de desistir do rancho, continuei a participar em todos os torneios desportivos entre escolas mas o meu rendimento não era o mesmo. Chegava a ficar com tonturas e tinha de parar ou ser substituída. Algumas vezes fui até ao hospital com fraqueza ou até porque caia... claro, não tinha forças para aguentar as canetas!
Todos os dias a minha mãe e a minha avó me telefonavam nas refeições para garantir que comia alguma coisa. Chegaram a haver dias em que a minha avó me ligava a chorar e a implorar que comesse. E isso mexeu comigo! Também a minha prima (fomos quase sempre da mesma turma) e amigos começaram a acompanhar-me nos almoços mesmo que eu lhes tentasse dar a volta para que não o fizessem. Levavam-me aos meus sítios preferidos para garantir que comia alguma coisa. A minha mãe e avó cozinhavam sempre o que eu mais gostava!
Aos poucos fui começando a comer...
Porém, a escola acabou e, embora já comesse melhor, ganhei problemas no estômago. Tudo o que comia, vomitava. Andei assim um ano até ser correctamente medicada e o problema começar a ficar controlado. Foi uma das mazelas com que fiquei, entre muitas.
Em 2010 comecei a cozinhar e a ganhar gosto pela comida. Não sabia o que era gostar de comer ou ter fome, até aí!
E cá estou...

Vocês perguntam. Nós respondemos # 4

E voltamos mais uma vez com a nossa rubrica.

Desta vez, conforme o que dissemos anteriormente, é altura de responder á pergunta da nossa querida Kikas.

 

P: Olá queridas a minha pergunta é algo que já ouvi falar várias vezes: É verdade quando dizem que quem passa/teve uma anorexia ou anorexia nervosa, a mesma acompanha a pessoa o resto da vida? Ou seja, nunca se fica inteiramente curada/o da/s mazela/s?

 

Catarina: Não sei se todos os casos são iguais mas eu acho que a doença nunca me deixou. Sei que venci a doença mas, por vezes, sinto que ela está escondida nas sombras à espera que eu dê um paço em falso. acho que ganhei este medo durante o internamento. Conheci uma senhora que tinha estado doente em jovem e tinha-se curado. Depois aos quarenta separou-se e os problemas fizeram-na voltar para a doença. Esta história juntamente com outras vez-me perceber que a taxa de recaídas é bastante grande, o que me leva a ter receio. Nunca dei conta que estava doente o que é que me dá certezas que não posso ficar novamente sem me aperceber? A opção que tomei foi não me deixar intimidar por esta sombra que me segue e trabalhar diariamente para nunca a deixar voltar a tomar conta de mim.

 

Vânia: É uma pergunta que me deixa com algum medo pois soube de casos de recaídas já bastante tardios. Mas, não podemos pensar dessa forma.
A minha médica disse-me uma vez que a anorexia era para a vida. E acho que é. Até porque as mazelas ficaram e infelizmente são mais do que as que gostaria e que me atrapalham a vida de vez em quando... são tudo coisas que não irão voltar a ser o que eram.
Hoje em dia como de tudo (pelo menos quando o estômago deixa!) e às vezes até demais. Ganhei gosto pela comida, coisa que até há pouco tempo não conhecia. Sinceramente, não me vejo a conseguir voltar a deixar de comer como fiz. Porém, há dias em que me olho ao espelho e volto a não gostar do que vejo. Mas depois passa! Pelo menos, até agora tem passado. Sei que acontece a muitas mulheres, mesmo não tendo tido anorexia. Por isso, mais vale pensar que é só uma fase de mulher e que nada tem a ver com a doença.
Quando a minha avó faleceu, tive uma fase em que não conseguia comer. O mesmo aconteceu quando foi o meu avô e depois o meu padrinho. Mas voltei a mim, não podia fazer a minha família passar por isto outra vez. E acho que o facto de conseguirmos pensar também nos nossos e saber o que já se sofreu no passado que não nos deixa cair novamente

  

 

Obrigada, Kikas, pela pergunta. E na próxima rubrica contamos responder à nossa querida B♥.

Podem continuar a fazer as vossas perguntas pois vamos tentar dedicar um bocadinho de tempo a cada uma. :-)

A continuação da doença (Catarina)

Devo dizer que a primeira consulta foi muito brusca, a doutora foi muito fria e directa. Explicou aos meus pais que eu já não comia nada à dias e que o que tinha vomitado eram os sucos gástricos que se estavam a acumular no estômago. Disse-nos que era uma forma que este orgão tinha de se defender porque os sucos como não tinham nada para decompor começavam a corroer as paredes do estômago. Disse-nos também que me ia fazer análises e que se não gostasse do resultado eu teria que ficar internada.

As análises acabara por se revelar mais ou menos e tivemos a oportunidade de tentar o tratamento em casa. Sai do hospital com 43 kg e com um dieta estipulada. Nesse dia ainda comi qualquer coisa devido ao susto mas há noite senti-me tão mal por ter comido. Passei a noite a pensar que  o dia seguinte tinha que me esforçar para queimar as calorias todas que tinha comido. No fundo era sempre isto que acontecia, cada vez que cedia e comia alguma coisa crescia uma raiva de mim própria e surgia uma onda de força que me impelia a não comer.

Os dois três meses que se seguiram foram vividos em martírio. A família apertou o cerco e eu inventei novas formas de fingir que comia. Escondia comer em guardanapos, nos bolsos, nas mangas. Cheguei a colar sacos na zona do peito que me permitiam cuspir o comer através da gola da camisola. Redobrei o exercício e o peso continuou a diminuir. Voltei à medica mais magra e fiquei proibida de sair de casa. Valia tudo para evitar que eu queimasse calorias. A médica receitou-me suplementos alimentares para me ajudar a aumentar de peso. Os meus pais compravam aquilo e era caro, seis pacotes custavam mais de 25 €. Eu pegava naqueles pequenos pacotes de 200 ml e despejava-os  na sanita ou lavatório sem qualquer remorso. Os meus pais compravam tudo o que eu gostava, gastaram uma pequena fortuna comigo e eu deitava tudo fora sem pensar duas vezes.

Quando penso em mim nessa altura digo que parecia que não tinha emoções. A doença tomou conta de mim e transformou-me num robot cuja única missão era não comer. Não me importava com o sofrimento que causava aos outros só me importava comigo. Costumo dizer que precisava de não comer como um drogado precisa da próxima dose.

O ambiente em casa tornou-se insuportável. As refeições eram passadas em silencio e com os olhos pregados em mim, eu cortava o comer em pequenas migalhas e tentava espalha-las no parto de forma a parecer que tinha comido algo. O que eu comia de menos o meu irmão comia demais. Engordou imenso nessa altura, depois viemos a saber que é perfeitamente normal que isto aconteça a familiares próximos. Sentem o instinto de comer o que nós não comemos como se conseguissem transferir a comida para o corpo dp doente.

A minha mãe passava os dias a chorar, o meu pai chegou a dormir no carro só para fugir ao que se passava. Um dia estávamos a discutir e o meu pai levantou-se e disse que se ia atirar da janela porque não aguentava mais.

Acabei por pedir à medica para me internar porque queria sair de casa. Não aguentava as discussões, os choros, os olhares. A médica concordou que estava na altura e combinamos que daria entrada depois do ano novo. Foi assim que em Janeiro de 2000 dei entrada no hospital com 38 kg.

Vocês perguntam. Nós respondemos # 3.

Bom dia. Hoje é dia de respondermos a mais uma pergunta. como já tínhamos dito na rubrica anterior vamos esclarecer a nossa linda only one girl

 

Pergunta: Ola! Eu gostava de saber quais é que são os sinais que tiveram no início da anorexia e como pode começar.
É preciso serem muito corajosas para falarem disto, beijinhos.

 

Catarina:Os sinais nem sempre são claros e variam um pouco de pessoa para pessoa mas existem alguns que devemos estar atentos. A perda excessiva de peso e em pouco tempo pode significar que algo não está bem. O isolamento, temos tendência a isolarmos-nos dos outros porque assim ninguém percebe que não comemos. A utilização de roupas largas de forma a esconder o corpo. Depois existem sinais mais marcantes mas que só conseguem ser vistos por pessoas mais próximas. É o caso da perda da menstruação e o facto de o corpo ficar coberto por uma pequena penugem tal como nos bebes. No meu caso passei também por uma fase de irritabilidade quando se falava de comer. O exercício físico excessivo e a incapacidade de estar parado muito tempo pode ser também uma sinal de doença. Por vezes desenvolvemos tiques como não parar de mexer as pernas mesmo estando deitadas porque assim estamos a queimar calorias.

 

Vânia: Obrigada, minha linda. Bem, os sinais,como já dissemos, não os vemos. Nós não! Convém os pais estarem atentos, principalmente na fase da adolescência pois é quando as nossas cabecinhas são mais frágeis. No meu caso, emagreci imenso em pouco tempo. Embora usa-se roupas bem largas (andava numa fase ''yo'' por isso era normal), um dia a minha mãe viu-me ir para o banho e diz que conseguia ''contar os ossos''. Sim, foi mesmo a expressão que ela usou!
''Fugia'' das refeições. Ou seja, aos meus pais dizia que comia na escola, na escola dizia que comia em casa... tinha sempre alguma desculpa a dar.
Claro que andava fraca e com tonturas, claro que o meu estômago já acusava sinais de não andar bem e comecei a ficar muito pálida e com olheiras bem negras -os olhos ''fundos'' (as velhas lá da aldeia diziam que eu andava metida nas drogas).
Basicamente, foi isso. Depois tive consequências com o tempo que passei em recuperação. Mas estas foram as principais que me levaram à médica e, consequentemente, ao diagnóstico.

 

Esperamos que as nossas respostas tenham servido para esclarecer o assunto. Para a semana vamos responder à pergunta da querida Kikas.

 

A doença - Catarina

Na verdade não sei quando deixei de estar a fazer dieta e passei a estar doente. Inicialmente comecei a saltar refeições. Saia da escola dizendo que ia almoçar a casa, chegava a casa e não comia nada. Se, por acaso, a minha mãe já estivesse em casa dizia que tinha almoçado na escola. Comecei também a deixar de jantar. Como os meus pais tinham um restaurante na altura chegavam sempre depois da hora de jantar. Tínhamos sempre comer feito no frigorífico pelo que só tínhamos de o aquecer. Eu dava-me ao trabalho de tirar comer para um prato e deitar tudo na sanita. Assim os meus pais viam a loiça suja no lava-loiça e notavam que havia menos comida no tupperware.

Comecei também a evitar o autocarro e a caminhar o percurso entre escola e casa. Entre Setembro e Novembro perdi imenso peso. Lembro-me de me pesar quase diariamente e de todos os dias a balança marcar menos. Em Novembro a minha mãe resolveu levar-me ao médico porque achou que eu tinha emagrecido bastante. Na altura tinha perto de cinquenta quilos e a médica desvalorizou a minha perda de peso. Acho que era normal eu começar a ter uma preocupação com o meu corpo mas não viu sinais alarmantes até porque lhe menti e disse que comia de tudo. Continuei a perder peso e em Dezembro deixei de ter menstruação. Consegui esconder o assunto da minha mãe mas no mês seguinte ela percebeu o que se passava. Tornou a levar-me à médica que ficou um pouco alarmada por eu ter perdido mais quatro quilos em apenas dois meses. Sai do médico com prescrição para fazer análises e com nova consulta para quinze dias depois. Quando voltei já tinha menos dois quilos e as análises estavam com alguns valores alterados. Fomos encaminhados para a especialidade mas teríamos que esperar que nos indicassem a data da consulta.

Enquanto isto ia de mal a pior, passei de comer pouco para não comer nada. Passava ao dias sem comer, fazia imenso exercício, deixei de conseguir dormir. Deitava-me na cama à espera que os meus pais fossem dormir e assim que os ouvia a dormir levantava-me. Passava a noite a ver televisão, a jogar jogos ou simplesmente a contabilizar a quantidade de comer que tinha ingerido e a planear o que poderia comer no dia seguinte. Entretanto uma prima arranjou através de uma amiga o nome de uma especialista em Santa Maria. A psicóloga amiga teve até amabilidade de escrever uma carta para entregarmos em mão à doutora. Recebemos a carta e esta ficou pousada no móvel da entrada. No fundo havia a esperança que eu conseguisse dar a volta por cima mas essa esperança acabou por desaparecer pouco depois. Lembro-me de acordar na minha cama com o sol a raiar. Estranhei ter conseguido dormir, levantei-me e comecei a sentir-me mal disposta. Pensei que era melhor comer alguma coisa, não me recordava quando tinha sido a ultima vez que tinha comido algo. Coloquei uns cereais daqueles integrais na boca e senti-me desfalecer. Tentei correr para a casa de banho e gritei pela minha mãe. Só me lembro de perder as força e começar a vomitar. Senti a minha mãe a apoiar-me e consegui chegar à sanita. Vomitei imenso, o vómito tinha uma cor esverdeada e um cheiro indescritível.Queimava tudo por onde passava, sentia todo o meu esófago a arder. Era de tal forma acido que tirou todo o brilho ao chão no sítios onde caiu. Quando finalmente acabou os meus pais levaram-me para a cama deles. Deitei-me no meio deles como quando era pequena e tivemos uma longa conversa. Melhor dizendo eles falaram e eu chorei o tempo todo. Eles explicaram-me que não podia continuar assim e que me iam levar ao hospital. Vestimos-nos e fomos fazer plantão à porta do serviço para falar com a doutora. Quando a doutora chegou explicaram-lhe que estávamos à espera dela e ela mandou-nos entrar...''