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Duas Bloggers, Duas Histórias, Uma Doença : A Anorexia.

Duas bloggers, irmãs na doença, juntaram-se num só blog para contarem as suas vitórias. O nosso objectivo será sempre ajudar (se possível) quem esteja a passar por esta doença... a anorexia!

Vocês perguntam. Nós respondemos # 6

Temos andado um pouco desaparecidas mas tudo por bons motivos. No entanto ainda existem perguntas por responder e não vamos descansar enquanto não as respondermos a todas.

Nesta rubrica vamos responder à pergunta que nos foi colocada pela Filipa Iria.

 

P: Eu gostava de saber como é que lidam nos dias de hoje com a alimentação depois de terem ultrapassado uma doença como a anorexia (se é que se ultrapassa completamente..) 

 

Catarina: No meu caso a normalização alimentar não foi assim muito rápida. Durante anos apenas comi peixe e carnes brancas, legumes, saladas e fruta. Evitava doces ao máximo embora como sou gulosa acabava por cair na tentação algumas vezes. Não comia enchidos, grão, feijão, carnes vermelhas, fritos, guisados,etc. Com o passar dos anos foi começando a relaxar a nível de alimentação e comecei a experimentar coisas novas. Hoje em dia como praticamente tudo, digo praticamente tudo porque existem coisas que de facto não gosto como é o caso do borrego e cabrito. O importante é que provo tudo e depois decido se gosto ou não afinal nem todos podemos gostar de tudo.

Vânia: Eu costumo dizer que fui do 8 ao 80! Até 2010, mais ou menos, a minha alimentação era de quando o rei fazia anos... quando voltei a ingerir comida -e não maçãs- comia de vez em quando, até porque fiquei com problemas de estômago e por isso tive de fazer tratamentos e tenho uma medicação para a vida. Só a partir de 2010, estando já medicada e normalizada, comecei a ganhar o gosto pela cozinha e, aos poucos, pela comida (até porque o meu estômago já me deixava comer sem deitar tudo fora). Comecei a gostar de coisas das quais nunca tinha gostado!  Comecei a comer de tudo. Os meus amigos costumam chamar-me a atenção pelas porcarias que como (chocolates, batatas fritas, doces, etc) e é o que costumo dizer ''privei-me tanto tempo da comida que agora não me privo de nada''.  Sim, eu sei que também não se faz!

O blog também foi à Sic... com a Catarina!

 Há umas semanas fomos contactadas pela Patrícia, da Sic, para participarmos num programa chamado "A Vida nas Cartas - O Dilema" com as nossas histórias e o nosso pequeno projecto. Porém, sendo eu de longe, não me pude deslocar até perto da nossa Catarina e disse-lhe que confiava nela para contar a sua história e falar sobre o nosso blog. Sem dúvida alguma que a nossa menina é uma óptima oradora e não poderia representar melhor este cantinho! Eu mesma não faria melhor nem sequer igual... (A sério, ela esteve mesmo bem, não esteve?)

O tempo de reportagem é curtinho, a sua história foi resumida ao máximo e conseguiu até falar sobre o " Duas Bloggers, Duas Histórias, Uma Doença : A Anorexia." Como foi falado pouquinho do seu trajecto, se quiserem conhecer melhor a história da nossa menina, basta carregarem em cima do nome da Catarina lá em cima. Assim conseguirão acompanhar toda a sua luta contra esta doença. 

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 Euzinha, que sou uma medricas nestas coisas, só tenho de agradecer a esta irmã que a doença me deu, por dar a sua voz, a cara (e eu sei que ela estava nervosa!), tempo e dedicação e ainda por partilhar a sua história connosco. Sinto-me extremamente orgulhosa desta mulher guerreira que, mesmo com tão pouco tempo pessoal disponível, ainda o perde a ajudar. E tenho de lhe agradecer por toda a dedicação a este projecto e por todo o carinho... Obrigada minha irmã!  Por teres até a coragem que eu não tenho...  E sei que desta vez te custou mais um bocadinho mas ficaste tão bem e representaste-nos tão bem!

 

Aproveito para agradecer todo o apoio que temos tido e todas as ajudas que já nos deram. Obviamente que não é só um projecto nosso, é de todos! Agradeço imenso. 

 

V*

 

O que é a anorexia nervosa?

Como já dissemos anteriormente, a anorexia nervosa não é uma decisão de vida. Nós não acordámos um dia, pela manhãzinha, e pensámos "Hoje sabia-me mesmo bem uma anorexia nervosa!". Não! Não foi uma escolha. Embora exista uma espécie de "decisão" em começar dietas, abstenções e coisas do género, é algo que provém de uma mente que está com um problema e que necessita, urgentemente, de ajuda.

É isso que queremos desmistificar aqui! Ao longo da vida, já fomos culpabilizadas como se tivesse sido algo pelo qual escolhemos passar. Como se fosse engraçado olharmos-nos no espelho e odiarmos o que vemos. Como se nós tivéssemos achado piada à azafama de médicos e hospitais, agulhas, vitaminas, etc. As coisas não são bem assim... 

 

E então, o que é mesmo a anorexia nervosa?

  • anorexia de origem grega = (a\an-negação) e (orégo-apetecer), negação do desejo por comer,do apetite. 

A anorexia nervosa é uma doença. Ponto! É uma perturbação no nosso comportamento alimentar que afecta, na sua grande maioria, mulheres jovens que tentam ter um controlo extremo no seu peso corporal, através de uma enorme restrição na alimentação. 

 Muitas das  vezes, a anorexia provém do facto das mulheres se sentirem infelizes com o seu  corpo mas, não advém somente desse aspecto. A infelicidade, a nível social, poderá igualmente desencadear a doença. A rejeição da sociedade, dos seus pares, a difamação, bullying, qualquer tipo de ofensas e\ou agressões, poderão levar ao desencadeamento da doença... (E, deixem-nos que vos pergunte: a culpa continua a ser da doente ?) 

 As angustias, os relacionamentos sociais falhos, a depressão, problemas familiares, a visão utópica de um "corpo perfeito" poderão igualmente levar a uma baixa auto-estima e, consequentemente, à doença. 

Uma vitima de anorexia pensará que, se for magra, os seus problemas serão dissipados e serão mais felizes. É uma luta desenfreada pela tentativa de alcançar aquele que julgamos ser o "corpo ideal". Mas, o problema é que, embora emagrecendo, a pessoa doente, não se verá magra e continuará infeliz. 

 

E a família? 

Vamos ser honestos, algumas das pessoas que percebe que a doença é isso mesmo (uma doença!) acaba por culpabilizar a família. Vamos então explicar-vos o nosso lado... 

Nós, doentes, tornamos-nos peritas na mentira e omissão! Conseguimos das mais variadas formas contornar diversas situações para que não percebam o que se está a passar. E agora é a parte em que nos dizem "Ah. Mas então vocês sabiam o que estavam a fazer". Sim e não! Pensávamos que o que estávamos a fazer nos iria ajudar mas que a família jamais iria compreender e iria tentar impedir isso de alguma forma. Por isso, por muito que nem tenhamos jeito para mentir, a mentira torna-se a nossa melhor arte. 

Além disso, a família é uma das partes mais importantes para a nossa recuperação. A grande maioria das vezes, são mesmo a salvação!

 

 

(imagem retirada de A anorexia tirou-lhe dez centímetros de altura. E muito mais.-Expresso)

 

Segundo dados da Direcção-Geral de Saúde (DGS),  os hospitais do nosso país contabilizaram 727 internamentos entre os anos 2010 e 2014, sendo, maioritariamente, pessoas do sexo feminino entre os 18 e os 39 anos de idade, seguidas de adolescentes até aos 17 anos. No que diz respeito ao sexo masculino, atinge, em maior número, jovens até aos 17 anos de idade.

 

 

E isto, é um pouco do que é a norexia nervosa. Não somos especialistas para falar a nivel médico, mas explicamos por palavras nossas pelo que passámos. Esperamos que compreendam e que, se tiverem algumas dúvidas, nos perguntem pois estamos cá para isso mesmo, para ajudar.

A alta (Catarina)

A alta hospitalar chegou e embora estivesse ansiosa para sair sentia-me assustada ao mesmo tempo. As pessoas esperavam tanto de mim. Pensavam que eu iria sair milagrosamente curada, com um peso normal e uma óptima relação com a comida. No entanto isso não poderia estar mais longe da realidade. Continuava a comer pouco, a ser esquisita no que comia e a demorar uma eternidade a comer. Em breve começaram as pressões para comer mais e para comer de tudo. Não compreendiam que o meu estômago tinha reduzido de tamanho e que bastava comer mais um pouco para ficar mal disposta. Por vezes não conseguia fazer a digestão, o meu estômago inchava de tal maneira que só voltava ao normal na manhã seguinte. Acho que precisava da noite toda para decompor a comida que ingeria.

A pressão que sentia só fazia com que não me apetecesse comer, era o meu grito de revolta. A alta hospitalar trouxe-me uma liberdade acrescida porque tive permissão para voltar às aulas. Voltei à escola e percebi que tinha perdido a matéria quase toda. A pressão de querer ter boas notas em conjunto com a pressão que sentia para comer depressa começaram a fazer moça e voltei a deixar de comer.

Sai do hospital com 46 quilos. No fim de Março cheguei ao 47,5 e voltei a ter menstruação mas em Junho já andava de volta perto dos 40 e falava-se em novo internamento.

Foi também por essa altura que soube que a Catarina tinha falecido. Ali estava eu prestes a ser internada novamente, a sofrer por uma amiga que tinha sucumbido à doença quando percebi que ainda existia esperança para mim. Se tinha força para me matar à fome também haveria de ter forças para recuperar. Percebi que não queria morrer. Que não queria viver a minha vida em hospitais. Não queria continuar a provocar sofrimento aos que me amavam e não queria continuar a sofrer também.

Foi nessa altura que resolvi lutar por mim. Costumo dizer que a anorexia nervosa é uma vicio como a droga, o álcool ou o tabaco. Enquanto a pessoa não se mentaliza que têm aquele problema e resolve lutar não há nada que possamos fazer. A luta têm que partir de dentro  porque apenas nós nos podemos salvar de nós próprias.

Nos dois anos que se seguiram continuei a ser acompanhada no hospital. Fiz consultas de psiquiatria e psicologia se bem que com o tempo o intervalo entre consultas foi aumentando. Por fim chegou o dia em que a médica me disse que não precisava voltar mais mas que a porta dela estava sempre aberta para mim. Foi ai que percebi que não existe uma cura para esta doença. É uma doença que me irá acompanhar para o resto da vida. Ela segue-me como uma sombra para todo o lado. Espera por um momento de fraqueza para voltar a atacar. A diferença é que agora sei que ela me acompanha e sei o que fazer para nunca a deixar ser mais forte que eu.