A continuação da doença (Catarina)
Devo dizer que a primeira consulta foi muito brusca, a doutora foi muito fria e directa. Explicou aos meus pais que eu já não comia nada à dias e que o que tinha vomitado eram os sucos gástricos que se estavam a acumular no estômago. Disse-nos que era uma forma que este orgão tinha de se defender porque os sucos como não tinham nada para decompor começavam a corroer as paredes do estômago. Disse-nos também que me ia fazer análises e que se não gostasse do resultado eu teria que ficar internada.
As análises acabara por se revelar mais ou menos e tivemos a oportunidade de tentar o tratamento em casa. Sai do hospital com 43 kg e com um dieta estipulada. Nesse dia ainda comi qualquer coisa devido ao susto mas há noite senti-me tão mal por ter comido. Passei a noite a pensar que o dia seguinte tinha que me esforçar para queimar as calorias todas que tinha comido. No fundo era sempre isto que acontecia, cada vez que cedia e comia alguma coisa crescia uma raiva de mim própria e surgia uma onda de força que me impelia a não comer.
Os dois três meses que se seguiram foram vividos em martírio. A família apertou o cerco e eu inventei novas formas de fingir que comia. Escondia comer em guardanapos, nos bolsos, nas mangas. Cheguei a colar sacos na zona do peito que me permitiam cuspir o comer através da gola da camisola. Redobrei o exercício e o peso continuou a diminuir. Voltei à medica mais magra e fiquei proibida de sair de casa. Valia tudo para evitar que eu queimasse calorias. A médica receitou-me suplementos alimentares para me ajudar a aumentar de peso. Os meus pais compravam aquilo e era caro, seis pacotes custavam mais de 25 €. Eu pegava naqueles pequenos pacotes de 200 ml e despejava-os na sanita ou lavatório sem qualquer remorso. Os meus pais compravam tudo o que eu gostava, gastaram uma pequena fortuna comigo e eu deitava tudo fora sem pensar duas vezes.
Quando penso em mim nessa altura digo que parecia que não tinha emoções. A doença tomou conta de mim e transformou-me num robot cuja única missão era não comer. Não me importava com o sofrimento que causava aos outros só me importava comigo. Costumo dizer que precisava de não comer como um drogado precisa da próxima dose.
O ambiente em casa tornou-se insuportável. As refeições eram passadas em silencio e com os olhos pregados em mim, eu cortava o comer em pequenas migalhas e tentava espalha-las no parto de forma a parecer que tinha comido algo. O que eu comia de menos o meu irmão comia demais. Engordou imenso nessa altura, depois viemos a saber que é perfeitamente normal que isto aconteça a familiares próximos. Sentem o instinto de comer o que nós não comemos como se conseguissem transferir a comida para o corpo dp doente.
A minha mãe passava os dias a chorar, o meu pai chegou a dormir no carro só para fugir ao que se passava. Um dia estávamos a discutir e o meu pai levantou-se e disse que se ia atirar da janela porque não aguentava mais.
Acabei por pedir à medica para me internar porque queria sair de casa. Não aguentava as discussões, os choros, os olhares. A médica concordou que estava na altura e combinamos que daria entrada depois do ano novo. Foi assim que em Janeiro de 2000 dei entrada no hospital com 38 kg.