Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Duas Bloggers, Duas Histórias, Uma Doença : A Anorexia.

Duas bloggers, irmãs na doença, juntaram-se num só blog para contarem as suas vitórias. O nosso objectivo será sempre ajudar (se possível) quem esteja a passar por esta doença... a anorexia!

Marcas da anorexia - Catarina

Venci a anorexia mas ela não se foi sem deixar marcas profundas em mim. Quem para mim olha não as vê mas eu sei que estão lá. Durante anos tive dores horríveis nos ossos, era incapaz de tomar banho na água do mar, o frio trazia dores agonizantes. Tudo porque fiquei com muita falta de cálcio, tive mesmo principio de osteoporose. Com o tempo e com uma alimentação equilibrada os osso conseguiram recuperar e hoje estão a em porcento.

Também os dentes foram muitíssimo afectados. A falta de cálcio e o facto de mascar pastilha de manhã  à noite  ( li nalgum lado que mastigar pastinha queimava calorias e por isso fazia-lo o dia todo) trouxeram-me muitos dissabores. Muitas foram as noites que passem em claro a chorar por não aguentar mais as dores que sentia. Muitas foram as vezes em que me apeteceu chegar ao dentista e pedir para que me arrancasse os dentes todos, se não os tivesse não me poderiam fazer sofrer. Foram precisos alguns anos e imenso dinheiro para deixar de ter problemas. Lembro-me do desespero do dentista que me dizia que eles se deterioravam mais depressa do que ele os conseguia arranjar nas consultas semanais. Com o passar do tempo o cálcio lá foi reposto e hoje tenho os dentes um pouco mais fortes.

O meu cabelo e unhas também sofreram com a doença. O cabelo ficou tão fino e baço que tive que o cortar curto no auge da doença. As unhas tornaram-se fracas e quebradiças. Hoje em dia olho para o meu cabelo e para as minha unhas e sei que não são nem de perto nem de longe o que já foram. Eu tinha tanto cabelo mas tanto cabelo que nem quando queria fazer um rabo de cavalo mal conseguis dar duas voltas no elástico. Hoje em dia posso dar quatro voltas e mesmo assim o elástico fica largo. As unhas eram forte e rijas quando hoje partem-se imenso. Já se passaram tantos anos que já não tenho fé nenhuma que algum dia voltem a ser o que eram.

A principal mazela com que fiquei foi mesmo no sistema digestivo. Sempre fui bastante sensível de estomago mas depois da doença fiquei pior. Muitas são as vezes em que passo mal e acabo com gastroenterites quando todas as pessoas que comeram o mesmo estão de perfeita saúde. Fujo dos fritos e picantes mas mesmo assim é uma miséria.

Agradeço todos os dias pela qualidade de vida que tenho porque, no fundo, sei que até não me posso queixar, poderia ter ficado com sequelas muito piores.

Vocês perguntam. Nós respondemos # 7

A nossa querida Mula colocou-nos uma questão que nos fez pensar um pouco. É uma pergunta complexa e que certamente terá uma abordagem diferente de pessoa para pessoa mas aqui ficam as nossas.

 

P: Anorexia resulta, suponho eu, de uma força de vontade levada ao extremo, mas no fundo é uma dieta - ou ausência dela - que inicialmente - imagino eu - origina muita fome, até o corpo se habituar. Agora que vocês estão livres dessa doença, conseguiram transportar essa força de vontade para a vossa vida actual, para fazerem outro tipo de coisas? Ou simplesmente essa energia não é canalizada para outro lado?

 

Catarina: De facto existe uma força imensa que nos faz conseguir deixar de comer e viver quase em jejum. Uma pessoa normal se estiver um dia sem comer fica fraca enquanto que uma anoréctica consegue levar uma vida praticamente normal mesmo estando sem comer à dias. No meu caso essa força de vontade foi canalizada primeiro para a recuperação. Dizia a mim mesma que se tinha força de vontade para estar dias sem comer também haveria de ter força para voltar a comer. Hoje em dia continuo a agarrar-me a essa força e utilizo-a em muitas situações da minha. Convenço-me que se fui capaz de passar pelo que passei não há nada que não consiga fazer.

 

Vânia: Sabes, Mula, nós nem nos apercebemos do poder que a nossa mente tem... eu não tinha fome. Não sentia fome embora o meu estômago fizesse aqueles ruídos desconfortáveis. Só depois de conseguir voltar a comer e de o meu estômago voltar a receber alimentos é que me apercebi do que tinha acontecido. Penso que canalizei essa ''energia'' a cozinhar (ironia do destino). Comecei a gostar de estar na cozinha e de experimentar receitas, etc. E também comecei a pensar que poderia ajudar outras pessoas com a mesma doença. Daí termos criado o blog. Essa ''energia'' está aqui. :-)

Vocês perguntam. Nós respondemos # 6

Temos andado um pouco desaparecidas mas tudo por bons motivos. No entanto ainda existem perguntas por responder e não vamos descansar enquanto não as respondermos a todas.

Nesta rubrica vamos responder à pergunta que nos foi colocada pela Filipa Iria.

 

P: Eu gostava de saber como é que lidam nos dias de hoje com a alimentação depois de terem ultrapassado uma doença como a anorexia (se é que se ultrapassa completamente..) 

 

Catarina: No meu caso a normalização alimentar não foi assim muito rápida. Durante anos apenas comi peixe e carnes brancas, legumes, saladas e fruta. Evitava doces ao máximo embora como sou gulosa acabava por cair na tentação algumas vezes. Não comia enchidos, grão, feijão, carnes vermelhas, fritos, guisados,etc. Com o passar dos anos foi começando a relaxar a nível de alimentação e comecei a experimentar coisas novas. Hoje em dia como praticamente tudo, digo praticamente tudo porque existem coisas que de facto não gosto como é o caso do borrego e cabrito. O importante é que provo tudo e depois decido se gosto ou não afinal nem todos podemos gostar de tudo.

Vânia: Eu costumo dizer que fui do 8 ao 80! Até 2010, mais ou menos, a minha alimentação era de quando o rei fazia anos... quando voltei a ingerir comida -e não maçãs- comia de vez em quando, até porque fiquei com problemas de estômago e por isso tive de fazer tratamentos e tenho uma medicação para a vida. Só a partir de 2010, estando já medicada e normalizada, comecei a ganhar o gosto pela cozinha e, aos poucos, pela comida (até porque o meu estômago já me deixava comer sem deitar tudo fora). Comecei a gostar de coisas das quais nunca tinha gostado!  Comecei a comer de tudo. Os meus amigos costumam chamar-me a atenção pelas porcarias que como (chocolates, batatas fritas, doces, etc) e é o que costumo dizer ''privei-me tanto tempo da comida que agora não me privo de nada''.  Sim, eu sei que também não se faz!

O que é a anorexia nervosa?

Como já dissemos anteriormente, a anorexia nervosa não é uma decisão de vida. Nós não acordámos um dia, pela manhãzinha, e pensámos "Hoje sabia-me mesmo bem uma anorexia nervosa!". Não! Não foi uma escolha. Embora exista uma espécie de "decisão" em começar dietas, abstenções e coisas do género, é algo que provém de uma mente que está com um problema e que necessita, urgentemente, de ajuda.

É isso que queremos desmistificar aqui! Ao longo da vida, já fomos culpabilizadas como se tivesse sido algo pelo qual escolhemos passar. Como se fosse engraçado olharmos-nos no espelho e odiarmos o que vemos. Como se nós tivéssemos achado piada à azafama de médicos e hospitais, agulhas, vitaminas, etc. As coisas não são bem assim... 

 

E então, o que é mesmo a anorexia nervosa?

  • anorexia de origem grega = (a\an-negação) e (orégo-apetecer), negação do desejo por comer,do apetite. 

A anorexia nervosa é uma doença. Ponto! É uma perturbação no nosso comportamento alimentar que afecta, na sua grande maioria, mulheres jovens que tentam ter um controlo extremo no seu peso corporal, através de uma enorme restrição na alimentação. 

 Muitas das  vezes, a anorexia provém do facto das mulheres se sentirem infelizes com o seu  corpo mas, não advém somente desse aspecto. A infelicidade, a nível social, poderá igualmente desencadear a doença. A rejeição da sociedade, dos seus pares, a difamação, bullying, qualquer tipo de ofensas e\ou agressões, poderão levar ao desencadeamento da doença... (E, deixem-nos que vos pergunte: a culpa continua a ser da doente ?) 

 As angustias, os relacionamentos sociais falhos, a depressão, problemas familiares, a visão utópica de um "corpo perfeito" poderão igualmente levar a uma baixa auto-estima e, consequentemente, à doença. 

Uma vitima de anorexia pensará que, se for magra, os seus problemas serão dissipados e serão mais felizes. É uma luta desenfreada pela tentativa de alcançar aquele que julgamos ser o "corpo ideal". Mas, o problema é que, embora emagrecendo, a pessoa doente, não se verá magra e continuará infeliz. 

 

E a família? 

Vamos ser honestos, algumas das pessoas que percebe que a doença é isso mesmo (uma doença!) acaba por culpabilizar a família. Vamos então explicar-vos o nosso lado... 

Nós, doentes, tornamos-nos peritas na mentira e omissão! Conseguimos das mais variadas formas contornar diversas situações para que não percebam o que se está a passar. E agora é a parte em que nos dizem "Ah. Mas então vocês sabiam o que estavam a fazer". Sim e não! Pensávamos que o que estávamos a fazer nos iria ajudar mas que a família jamais iria compreender e iria tentar impedir isso de alguma forma. Por isso, por muito que nem tenhamos jeito para mentir, a mentira torna-se a nossa melhor arte. 

Além disso, a família é uma das partes mais importantes para a nossa recuperação. A grande maioria das vezes, são mesmo a salvação!

 

 

(imagem retirada de A anorexia tirou-lhe dez centímetros de altura. E muito mais.-Expresso)

 

Segundo dados da Direcção-Geral de Saúde (DGS),  os hospitais do nosso país contabilizaram 727 internamentos entre os anos 2010 e 2014, sendo, maioritariamente, pessoas do sexo feminino entre os 18 e os 39 anos de idade, seguidas de adolescentes até aos 17 anos. No que diz respeito ao sexo masculino, atinge, em maior número, jovens até aos 17 anos de idade.

 

 

E isto, é um pouco do que é a norexia nervosa. Não somos especialistas para falar a nivel médico, mas explicamos por palavras nossas pelo que passámos. Esperamos que compreendam e que, se tiverem algumas dúvidas, nos perguntem pois estamos cá para isso mesmo, para ajudar.

A alta (Catarina)

A alta hospitalar chegou e embora estivesse ansiosa para sair sentia-me assustada ao mesmo tempo. As pessoas esperavam tanto de mim. Pensavam que eu iria sair milagrosamente curada, com um peso normal e uma óptima relação com a comida. No entanto isso não poderia estar mais longe da realidade. Continuava a comer pouco, a ser esquisita no que comia e a demorar uma eternidade a comer. Em breve começaram as pressões para comer mais e para comer de tudo. Não compreendiam que o meu estômago tinha reduzido de tamanho e que bastava comer mais um pouco para ficar mal disposta. Por vezes não conseguia fazer a digestão, o meu estômago inchava de tal maneira que só voltava ao normal na manhã seguinte. Acho que precisava da noite toda para decompor a comida que ingeria.

A pressão que sentia só fazia com que não me apetecesse comer, era o meu grito de revolta. A alta hospitalar trouxe-me uma liberdade acrescida porque tive permissão para voltar às aulas. Voltei à escola e percebi que tinha perdido a matéria quase toda. A pressão de querer ter boas notas em conjunto com a pressão que sentia para comer depressa começaram a fazer moça e voltei a deixar de comer.

Sai do hospital com 46 quilos. No fim de Março cheguei ao 47,5 e voltei a ter menstruação mas em Junho já andava de volta perto dos 40 e falava-se em novo internamento.

Foi também por essa altura que soube que a Catarina tinha falecido. Ali estava eu prestes a ser internada novamente, a sofrer por uma amiga que tinha sucumbido à doença quando percebi que ainda existia esperança para mim. Se tinha força para me matar à fome também haveria de ter forças para recuperar. Percebi que não queria morrer. Que não queria viver a minha vida em hospitais. Não queria continuar a provocar sofrimento aos que me amavam e não queria continuar a sofrer também.

Foi nessa altura que resolvi lutar por mim. Costumo dizer que a anorexia nervosa é uma vicio como a droga, o álcool ou o tabaco. Enquanto a pessoa não se mentaliza que têm aquele problema e resolve lutar não há nada que possamos fazer. A luta têm que partir de dentro  porque apenas nós nos podemos salvar de nós próprias.

Nos dois anos que se seguiram continuei a ser acompanhada no hospital. Fiz consultas de psiquiatria e psicologia se bem que com o tempo o intervalo entre consultas foi aumentando. Por fim chegou o dia em que a médica me disse que não precisava voltar mais mas que a porta dela estava sempre aberta para mim. Foi ai que percebi que não existe uma cura para esta doença. É uma doença que me irá acompanhar para o resto da vida. Ela segue-me como uma sombra para todo o lado. Espera por um momento de fraqueza para voltar a atacar. A diferença é que agora sei que ela me acompanha e sei o que fazer para nunca a deixar ser mais forte que eu.

A ignorância da falta de informação

''Tiveste anorexia porque quiseste''

Se há coisa que me irrita e me deixa fula da vida, é quando ouço uma coisa destas! E, provém muitas vezes de pessoas que me eram chegadas na altura...
''Ah. Naquela altura em que tinhas as manias das dietas?'' 
Qual a parte que as pessoas não percebem de que não é uma dieta e muito menos é uma mania?!
Como é possível ainda existir tanta falta de informação e de sensibilidade ?! Vocês não imaginam o possessa que fico quando ouço destas pérolas! E sim, ouço-as mais vezes do que imaginaria...
Foi, por coisas destas, que eu e a Catarina tentamos  desmistificar um pouco essa doença.  Porque ouvir estas coisas, magoa. A serio, magoa mesmo! Parece que nos culpam por termos estado doentes. Que somos nós as culpadas por ela existir.
EU NÃO TIVE  ANOREXIA PORQUE QUIS. EU NÃO ESTIVE DE DIETA! 
Vocês pensem bem quando falam...imaginem que um filho vosso tem esta doença. Vocês vão continuar a agir assim, com ignorância?  Por favor não o façam! Não irá ajudar. Muito pelo contrario!  Tentem informar-se um pouco. Se não ajudam, não atrapalhem. (Sim, acreditem que pode atrapalhar muito na recuperação de alguém com anorexia). A anorexia é uma doença e deve ser tratada como tal. 

O internamento (Catarina)

O internamento foi uma experiência dolorosa.  Fiquei sozinha num ambiente desconhecido.  Felizmente tinha duas companheiras de quarto, ambas com anorexia, que me acolheram e reconfortaram. Aos poucos fomos desenvolvendo amizade o que fez com que não me sentisse tão desamparada. O pior foi quando no primeiro fim-de-semana elas tiveram autorização para ir a casa e eu tive que ficar sozinha. Foi-me explicado que durante 15 dias não poderia sair do hospital o que significava que, entre o fim de tarde de sexta-feira e a noite de domingo estava entregue aos meus pensamentos. Também não podia ter telemóvel, precisava de permissão para fazer chamadas do telefone do serviço e os meus pais só me podiam ligar à noite.

Em parte até me sentia aliviada por não ter que falar com eles porque afinal a conversa acabava sempre da mesma forma. Acabava por falar com eles mais porque sabia que o Rodrigo passava todos os dias lá em casa para saber de mim. Era dele que mais sentia falta. Era o meu companheiro, o meu confidente. Para além de namorado era o meu melhor amigo, no fundo, acho que era o meu único amigo porque tratei de afastar os restantes.

Os dias passavam devagar. Contávamos as horas para a próxima refeição, comíamos e esperávamos pela seguinte. Nos intervalos entre  as refeições falávamos, riamos, brincávamos. Eu aproveitava para ler, pintar e escrever cartas que enviava pelos correios para o Rodrigo. Também recebia cartas dele, que lia e relia vezes sem conta.  Ainda as tenho todas guardadas com muito orgulho.

Todas as quintas-feiras tínhamos que nos pesar, antes do pequeno almoço, para ver o aumentado de peso.  Aprendemos a boicotar um pouco as pesagem na esperança que isso significasse que iríamos para casa mais cedo. Íamos para a balança de bexiga cheia e bebíamos um litro de água antes.  Todas as gramas interessavam para chegarmos ao peso que nos permitiria ir para casa.

A nossa relação com a comida continuava a ser problemática. As refeições demoravam uma eternidade e eram feitas em silêncio.  Nós esforçávamos-nos para comer tudo mas era difícil. Eu aprendi a fazer batota também na comida. Deitava o iogurte do meio da manha inteiro para o lixo.  À noite  fingia que estava a dormir quando me vinham dar a ceia, assim deixavam-me um pacote de leite que eu despejava pelo ralo do lavatório.

Apesar das falcatruas o peso ia subindo. As minhas amigas tiveram alta e coube-me a acolher outras meninas. Ao mesmo tempo vim a conhecer uma homónima que frequentava as consultas externas. Travamos uma amizade instantânea. Ela ia visitar-me muitas vezes, contava-me tudo o que estava a passar. Eu tentava dar-lhe coragem para pelo menos tentar aumentar um pouco o peso. Nunca tinha visto ninguém tão magra, tinha quase um metro e oitenta e pesava quarenta quilos.

Mais tarde invertemos papeis. Eu tive alta e ela acabou por ser internada.  Passei a ir eu visita-la. Contudo esteve lá pouco tempo porque recusou o tratamento. Como já era maior de idade não poderia ser mantida contra a sua vontade.  Recebi, uns dias mais tarde, uma carta por parte dos pais a informarem-me que tinha acabado por sucumbir à doença. Chorei.  Julguei-me uma má amiga por não ter sido capaz de a ajudar. Senti-me revoltada pela forma como a carta reflectia um certo alivio por parte dos pais. Depois percebi que deve ter sido um alivio para aqueles pais. Deixaram de ver a sua filha a morrer um bocadinho de cada vez. Deixaram de tentar incutir-lhe juízo. Deixaram de ter medo que morre-se caída nalgum canto.

Vocês perguntam. Nós respondemos # 5

A semana passada não houve oportunidade de responder à nossa rubrica mas esta semana voltamos em força. Vamos então esclarecer a B que nos deixou a seguinte pergunta:

 

P: Gostaria de saber em que idade é que a doença se manifestou e a sua duração?

 

Catarina: No meu caso a doença manifestou-se aos quatorze anos de idade. Fui sempre perdendo peso durante o ano seguinte. Quando tinha quase dezasseis anos sofri um internamento de dois meses. Sai do hospital com um peso aceitável mas depressa o recomecei a perder. Cerca de meio ano mais tarde levantou-se a questão de um novo internamento e foi quando me convenci que tinha que lutar. Recomecei a recuperar até atingir o peso minimamente saudável. Mesmo assim ainda tive consultas durante mais dois anos. Claro que a regularidade das mesmas foi diminuindo até chegar ao dia em que tive a tão esperada alta, tinha dezoito anos.

Vânia: A anorexia esteve presente na minha vida mesmo sem nós percebermos. Desde pequena que não gostava de comer e não tinha fome... Mas a anorexia nervosa manifestou-se nos meus 15 anos, 16, talvez. Não sei ao certo a idade pois confesso que nunca fui muito de comer. Mas foi nessa altura em que passei só a comer a tal meia maçã de que já falei e perdi 20 kgs em muito pouco tempo.
Entre consultas e fases, pesagens, análises, soro, vitaminas e ameaças de internamento foram uns 5/6 anos. Não tive uma ''alta'' pois depois da anorexia fiquei com uma hérnia no hiatos e a má relação com a comida continuou, assim como as idas ao hospital levar soro. Não tive sorte nisso...
Penso que há uns 6 anos que posso dizer que estou bem.

Para a semana irão saber a resposta à pergunta da Filipa Iria, fiquem atentos.

 

Outras histórias...

Saiu um artigo no Expresso que nos foi somente um bocadinho familiar. Sim, "somente um bocado familiar" pois nenhuma de nós chegou ao ponto em que a protagonista desta história chegou.

Também a nossa querida Débora, do blog Heidiland, achou interessante esta matéria e lembrou-se de a partilhar conosco. Partilhamos convosco também (poderão ver a matéria completa em A anorexia tirou-lhe dez centímetros de altura. E muito mais.).

 

"Levados ao limite, os distúrbios alimentares matam. Tratados, são curáveis. No verão, as adolescentes expõem os corpos, comparam formas, tomam decisões. Algumas escolhem o caminho da privação alimentar. Desde 2010 realizaram-se 12.858 consultas e só em 2015 foram 47 os internamentos no Hospital de Santa Maria. Patrícia é um caso-limite. Há 25 anos sofre de anorexia nervosa. A doença provocou-lhe uma severa osteoporose e, quando estava a morrer, apenas nos Estados Unidos encontrou solução para lhe sustentar a coluna. Conta o que passou para que não se repita"

 

"Aos 34 anos, o peso mínimo que Patrícia chegou a ter foi 20 quilos. Pouco, para quem media 1,60 metros. O cérebro deixou de responder a contento e os órgãos começaram a falhar. Hoje, depois de vários internamentos e de uma complexa cirurgia nos Estados Unidos, Patrícia pesa 38 quilos e come para mudar um percurso de vida marcado por uma anorexia nervosa grave. Pelo caminho perdeu dez centímetros de altura e ganhou oito parafusos cromados na coluna. Escolheu morrer, mas foi-lhe dada a oportunidade de viver e por isso decidiu contar a sua história. Porque acredita que será possível ajudar outras jovens a evitar a privação alimentar severa.

 

1. NO INÍCIO, LAVAVA AS MÃOS

“Desde que sou gente que me recordo de ter uma relação especial com a comida. Lembro-me de estar sempre a lavar as mãos, até criar frieiras. Acho que comecei a fazê-lo com nove anos. Pensava que tudo o que entrasse no meu corpo tinha de ser puro. No fundo da minha memória há uma recordação de estar a mamar e não querer, sentir repugnância.”

Assim, num golpe, Patrícia explica como o distúrbio alimentar começou. Como se fosse indissociável da própria identidade. A doença foi-lhe diagnosticada aos 13 anos, quando passou a ser acompanhada psicologicamente. Tem 39 e é considerada pela equipa que a acompanha no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, como um dos casos mais graves que ali deram entrada. É um exemplo limite que serve para mostrar até onde a privação alimentar pode levar uma pessoa. A maior parte dos casos de anorexia nervosa que são tratados recuperam e apenas 30% se tornam crónicos (ver entrevista abaxo). É o caso de Patrícia. Nada no seu relato é ficcional.

 

2. LINHAS ARREDONDADAS NÃO

“Não gostei de ver os meus seios a crescer e as ancas a arredondar. Comecei a usar T-shirts em cima de T-shirts para esconder o corpo. Queria travar aquilo. Tinha medo. E não era de comida. Não sei do que era. Aos 13 anos fui fazer uma ecografia porque a minha menstruação não era regular e encaminharam-me para uma consulta psiquiátrica. Foi no verão e o médico recomendou o internamento. Na altura, eu estava sempre a pensar no que poderia fazer para não comer. Tinha muita fome, mas, mais importante do que me saciar, era encontrar uma forma de enganar as pessoas e não comer. Cheguei a pesar 27 quilos.”

Durante dois meses Patrícia esteve internada. No hospital, apenas outra jovem, então com 20 anos, lhe servia de espelho. Foi a primeira vez que conviveu com uma pessoa com anorexia. Alguém que conseguia ser ainda mais magra do que ela. Um dos passatempos era a comparação do diâmetro das coxas e a outra batia-a aos pontos porque tinha as pernas ainda mais estreitas. Em ambas, o mesmo sentimento de desconforto e inadaptação.

 

3. GANHAR PESO E AINDA SER MAGRA

“Entre os 15 e os 28 anos pesei cerca de 45 quilos e estava satisfeita porque ninguém me chateava e ainda diziam que era magra. Acabei o colégio, entrei para Arquitetura, fui estudante Erasmus em Paris, comia baguetes. De volta a Lisboa, comecei a trabalhar em cinema, à frente das câmaras, e parecia que finalmente me tinham dado uma vida para viver: a da personagem. Quando atuava não pensava em comida. Foi a altura em que me senti feliz no meu corpo. Mas o meu único irmão morreu de leucemia. Eu tinha 28 anos e ele tinha 31.”

Não comer foi a saída encontrada por Patrícia para lidar com a perda. Em causa já não estava o objetivo de ser magra, simplesmente não conseguia comer. O corpo dela estava programado para ter fome e no fim do curso pesava 32 quilos. Passaram-se seis anos de alimentação insuficiente, durante os quais foi perdendo peso, gordura, músculos. Tinha dores terríveis e ficou encurvada. Os órgãos estavam comprimidos, sem espaço para funcionar corretamente, sofria de diarreia. O pescoço não podia sustentar-lhe a cabeça. Patrícia não queria, mas, mesmo que quisesse, não conseguia alimentar-se. Aproximou-se do peso limite: 20 quilos.

 

4. RESPIRAR, SÓ NOS ESTADOS UNIDOS

“Aquela era a pior maneira de estar viva. Sofria de um achatamento intervertebral devido à osteoporose causada pelos muitos anos de anorexia. Estava disforme e custava-me respirar. Certo dia, enquanto fazia exercício, senti a coluna estalar e as vértebras ruir. Procurei ajuda na internet e um cirurgião respondeu-me do Hospital Monte Sinai, em Nova Iorque. Disse que me operava se eu pesasse 20 quilos. Tinha 34 anos e aqui em Portugal ninguém queria ajudar, diziam que não tinha peso suficiente para suportar a cirurgia. Estava a morrer. A operação nos Estados Unidos era muito cara, mas o meu pai, que sempre foi o meu pilar, já tinha perdido um filho e sabia que estava a perder a única filha que lhe restava. Vendemos a nossa casa em Lisboa. Era a minha vida ou a casa.”

A cirurgia de osteosíntese para juntar as vértebras da coluna com parafusos no Monte Sinai em 2012 custou cerca de 270 mil euros aos pais de Patrícia. Tiveram de se mudar para uma casa da família na zona da Covilhã. E foi ela quem tratou de tudo para partir. Além dos detalhes burocráticos, do envio de exames por e-mail, era preciso preparar a alimentação: saquinhos com cereais integrais e tofu. Em Nova Iorque, o neurocirurgião que a operou ficou tão impressionado com a situação que não hesitou em avançar, apesar dos riscos. No dia em que completou 35 anos, Patrícia foi operada.

 

5. NA CIDADE QUE NÃO DORME

“Quando cheguei ao hotel, parecia que todos olhavam para mim por ser tão magra. No hospital, nas vésperas da operação, os médicos mandaram-me comer tudo o que conseguisse, um conselho assustador para qualquer anorética. Eu pensava que não iria suportar a cirurgia e sentia-me tranquila por ir morrer. Estava à espera disso há muito tempo. Mas no dia a seguir à operação, acordei. Foi uma sorte. Agora quero viver. Nunca mais quero sentir a sensação de ter menos de 35 quilos, quando o meu cérebro não me responde. Quanto mais alimento dou ao meu corpo, menos anoreticamente eu penso.”

Patrícia partiu sozinha para Nova Iorque. Com ela, levava os seus 20 quilos e pequenos sacos com amêndoas secas. Ficou cerca de um mês. A recuperação foi dura porque tinha dificuldade em andar devido à falta de forças e o movimento fazia parte do tratamento. Os médicos insistiram, apoiaram-na. O corpo dela assemelhava-se ao de uma mulher com 80 anos. Depois da cirurgia, usava um colete plástico para alinhar a coluna e tinha uma grande cicatriz nas costas.

 

6. NADA É MAIS PERFEITO DO QUE O ZERO

“De regresso a Portugal, continuei a restringir a alimentação. E a fazer exercício. Como não consigo fazer muito mais, andava. Acordava de madrugada, saía descalça, no frio, e andava muito, subia escadas. Quando cheguei aos 22 quilos fui internada no Hospital da Covilhã e entubaram-me, alimentaram-me por sonda. Foi como se tivesse sido violada. Mas sobrevivi. Vim para Lisboa para novo internamento. Há dez anos que nada mais se passa na minha vida. Mas desta vez vai correr bem: finalmente fiz as pazes com a morte do meu irmão.”

Este ano, em Santa Maria, Patrícia não foi sedada. Medicada, sim. Os médicos administraram-lhe uma dieta hipercalórica. Hoje, quando se deita, os parafusos doem-lhe. Estão lá para ficar. Pesa 38 quilos e a meta são os 40. Sabe que se baixar novamente para os 20, morre. O corpo parou de se desmoronar, mas há um longo caminho a percorrer. Deixar de comer dá-lhe imenso prazer: “Ainda sou prisioneira, continuo a pensar que nada é mais perfeito do que o zero, que um corpo vazio está limpo e organizado. O meu corpo é o meu campo de batalha. 

Por: Christiana Martins

 

Nós as duas desejamos imensa força a esta guerreira. Nenhuma de nós passou pelo mesmo que ela mas ficamos solidárias e achamos de extrema importância mostrar no nosso blog a história da Patricia. 

Um beijinho na alma desta guerreira... e um nas vossas! 

 

Estás mais magra! - Catarina

Esta deve ser a frase que todas as mulheres sonham ouvir, todas menos eu. De tudo o que me podem dizer esta é, talvez, a frase que me cai mais mal. Principalmente se esta frase vêm de alguém que me é próximo. Por norma já sinto que as pessoas me pesam com os olhos de cada vez que me vêm e quando me dizem este tipo de comentários tenho a certeza que o meu peso continua a ser uma preocupação.

Sim sou magra. Sim por vezes relaxo-me com o comer. Sim por vezes esqueço-me de comer. Sim tenho fases em que sei que me deixo ir um pouco mais abaixo do que deveria. Contudo percebam que eu sei que fico mais magra, noto no espelho, noto na roupa, noto na cara e noto principalmente quando começo a morder as próprias bochechas.

Eu noto, não vivo em estado de negação. Não vou deixar de comer outra vez aliás nunca arriscaria a minha saúde. Sei que já o fiz no passado mas o que lá vai lá vai. Não precisam de ficar com medo se eu hoje não tenho fome porque amanhã ou depois já voltou tudo ao normal. Será que sou a única pessoa no mundo que têm oscilações de fome? Num dia como este mundo e o outro, no dia seguinte quase nem me apetece comer. 

Será que não somos todos assim? Num dia bebemos litro e meio de água e no dia seguinte só bebemos dois copos. Não? Serei só eu?

Sei que o facto de ter estado doente em adolescente causou muito transtorno, sim foi muito difícil. Mas foi uma batalha que ganhei. Uma batalha que me orgulho de ter ganho. Já diz o ditado "O que não nos mata torna-nos mais fortes". Sim é assim que me sinto, forte porque tomei as rédeas da minha vida. Porque quis viver, porque quero viver. Sim fui anoréctica, fui anoréctica não sou mais e nem faço intenções de ser nunca mais.

Não precisam de ter medo cada vez que eu perco um quilo ou dois porque depressa os recupero. Desde que me lembro que o meu peso têm sido este, um quilo ou dois a mais, um quilo ou dois a menos. Quem é que não é assim. Se uma pessoa perde peso existe logo alguém que vêm dar os parabéns. Se eu perco peso já anda tudo a mandar-me comer e prontos a internar-me nalgum lado.

Sou uma mulher adulta, tenho quatro filhos. Filhos que não teria sido capaz de geral se não fosse saudável. Eu sei que é difícil esquecer. Eu também não esqueço o que passei, o que passamos. Mas temos que deixar de viver com medo. Porque é medo que eu vejo muitas vezes nos vossos olhos e não posso deixar de pensar que não confiam no meu bom senso.

A doença - Vânia

(Continuação daqui)

...e essa meia maçã começou a ser a única coisa que comia todos os dias por volta da hora de almoço. Quando o corpo me pedia mais alguma coisa, ou seja, quando eu me começava a ir abaixo, comprava uma fatia de salame- e não a comia toda. Mas isso apenas acontecia esporadicamente.

Emagreci muito. E em pouco tempo. Usava roupas largas já antes de emagrecer por isso era difícil de se perceber os quilos que já tinham sido perdidos.
Embora existisse sempre uma preocupação da minha mãe sobre as minhas refeições, eu mentia. Não tenho jeito para mentir. A sério que não! Sou daquelas pessoas que vão a meio da mentira e já se estão a rir feitas parvas. Mas nesta altura tornei-me numa mentirosa ''profissional''. Dizia que tinha comido bem na escola ou com os meus amigos de escolas diferentes (ela não sabia quem era por isso estava tranquila). Aos meus amigos dizia que tinha de comer em casa. Coisas do gênero. As mentiras iam saindo conforme os dias. Embora ache que a minha mãe começava a desconfiar pois as perguntas eram cada vez mais frequentes, penso que ela nunca esperou que chegasse ao ponto que cheguei. Até porque, há quase 15 anos, a anorexia não era tão conhecida como é agora e a maioria das pessoas nem sabiam o que isso era.
Um dia, ao entrar no duche, a minha mãe entrou na casa de banho e ficou preocupada. Segundo ela, ''dava para contar os ossos''.
Decidiu marcar consulta na médica de família. Foi aqui que fui diagnosticada, deveria ter 15 ou 16 anos, talvez. E seguiram-se tempos de consultas semanais, quinzenais e depois mensais. Entre pesagens, medições, análises, exames e vitaminas, as minhas notas baixaram e quis desistir da escola no meu 11ano mas a minha mãe não deixou. Nunca tive uma negativa, mas baixei imenso a média que tinha e isso desmoralizou-me. Desisti de dançar no rancho folclórico (adorava dançar e conhecer pessoas de todo o país) pois não tinha forças para longas viagens e para o meu fato que até era pesado. Apesar de desistir do rancho, continuei a participar em todos os torneios desportivos entre escolas mas o meu rendimento não era o mesmo. Chegava a ficar com tonturas e tinha de parar ou ser substituída. Algumas vezes fui até ao hospital com fraqueza ou até porque caia... claro, não tinha forças para aguentar as canetas!
Todos os dias a minha mãe e a minha avó me telefonavam nas refeições para garantir que comia alguma coisa. Chegaram a haver dias em que a minha avó me ligava a chorar e a implorar que comesse. E isso mexeu comigo! Também a minha prima (fomos quase sempre da mesma turma) e amigos começaram a acompanhar-me nos almoços mesmo que eu lhes tentasse dar a volta para que não o fizessem. Levavam-me aos meus sítios preferidos para garantir que comia alguma coisa. A minha mãe e avó cozinhavam sempre o que eu mais gostava!
Aos poucos fui começando a comer...
Porém, a escola acabou e, embora já comesse melhor, ganhei problemas no estômago. Tudo o que comia, vomitava. Andei assim um ano até ser correctamente medicada e o problema começar a ficar controlado. Foi uma das mazelas com que fiquei, entre muitas.
Em 2010 comecei a cozinhar e a ganhar gosto pela comida. Não sabia o que era gostar de comer ou ter fome, até aí!
E cá estou...

Vocês perguntam. Nós respondemos # 4

E voltamos mais uma vez com a nossa rubrica.

Desta vez, conforme o que dissemos anteriormente, é altura de responder á pergunta da nossa querida Kikas.

 

P: Olá queridas a minha pergunta é algo que já ouvi falar várias vezes: É verdade quando dizem que quem passa/teve uma anorexia ou anorexia nervosa, a mesma acompanha a pessoa o resto da vida? Ou seja, nunca se fica inteiramente curada/o da/s mazela/s?

 

Catarina: Não sei se todos os casos são iguais mas eu acho que a doença nunca me deixou. Sei que venci a doença mas, por vezes, sinto que ela está escondida nas sombras à espera que eu dê um paço em falso. acho que ganhei este medo durante o internamento. Conheci uma senhora que tinha estado doente em jovem e tinha-se curado. Depois aos quarenta separou-se e os problemas fizeram-na voltar para a doença. Esta história juntamente com outras vez-me perceber que a taxa de recaídas é bastante grande, o que me leva a ter receio. Nunca dei conta que estava doente o que é que me dá certezas que não posso ficar novamente sem me aperceber? A opção que tomei foi não me deixar intimidar por esta sombra que me segue e trabalhar diariamente para nunca a deixar voltar a tomar conta de mim.

 

Vânia: É uma pergunta que me deixa com algum medo pois soube de casos de recaídas já bastante tardios. Mas, não podemos pensar dessa forma.
A minha médica disse-me uma vez que a anorexia era para a vida. E acho que é. Até porque as mazelas ficaram e infelizmente são mais do que as que gostaria e que me atrapalham a vida de vez em quando... são tudo coisas que não irão voltar a ser o que eram.
Hoje em dia como de tudo (pelo menos quando o estômago deixa!) e às vezes até demais. Ganhei gosto pela comida, coisa que até há pouco tempo não conhecia. Sinceramente, não me vejo a conseguir voltar a deixar de comer como fiz. Porém, há dias em que me olho ao espelho e volto a não gostar do que vejo. Mas depois passa! Pelo menos, até agora tem passado. Sei que acontece a muitas mulheres, mesmo não tendo tido anorexia. Por isso, mais vale pensar que é só uma fase de mulher e que nada tem a ver com a doença.
Quando a minha avó faleceu, tive uma fase em que não conseguia comer. O mesmo aconteceu quando foi o meu avô e depois o meu padrinho. Mas voltei a mim, não podia fazer a minha família passar por isto outra vez. E acho que o facto de conseguirmos pensar também nos nossos e saber o que já se sofreu no passado que não nos deixa cair novamente

  

 

Obrigada, Kikas, pela pergunta. E na próxima rubrica contamos responder à nossa querida B♥.

Podem continuar a fazer as vossas perguntas pois vamos tentar dedicar um bocadinho de tempo a cada uma. :-)

A continuação da doença (Catarina)

Devo dizer que a primeira consulta foi muito brusca, a doutora foi muito fria e directa. Explicou aos meus pais que eu já não comia nada à dias e que o que tinha vomitado eram os sucos gástricos que se estavam a acumular no estômago. Disse-nos que era uma forma que este orgão tinha de se defender porque os sucos como não tinham nada para decompor começavam a corroer as paredes do estômago. Disse-nos também que me ia fazer análises e que se não gostasse do resultado eu teria que ficar internada.

As análises acabara por se revelar mais ou menos e tivemos a oportunidade de tentar o tratamento em casa. Sai do hospital com 43 kg e com um dieta estipulada. Nesse dia ainda comi qualquer coisa devido ao susto mas há noite senti-me tão mal por ter comido. Passei a noite a pensar que  o dia seguinte tinha que me esforçar para queimar as calorias todas que tinha comido. No fundo era sempre isto que acontecia, cada vez que cedia e comia alguma coisa crescia uma raiva de mim própria e surgia uma onda de força que me impelia a não comer.

Os dois três meses que se seguiram foram vividos em martírio. A família apertou o cerco e eu inventei novas formas de fingir que comia. Escondia comer em guardanapos, nos bolsos, nas mangas. Cheguei a colar sacos na zona do peito que me permitiam cuspir o comer através da gola da camisola. Redobrei o exercício e o peso continuou a diminuir. Voltei à medica mais magra e fiquei proibida de sair de casa. Valia tudo para evitar que eu queimasse calorias. A médica receitou-me suplementos alimentares para me ajudar a aumentar de peso. Os meus pais compravam aquilo e era caro, seis pacotes custavam mais de 25 €. Eu pegava naqueles pequenos pacotes de 200 ml e despejava-os  na sanita ou lavatório sem qualquer remorso. Os meus pais compravam tudo o que eu gostava, gastaram uma pequena fortuna comigo e eu deitava tudo fora sem pensar duas vezes.

Quando penso em mim nessa altura digo que parecia que não tinha emoções. A doença tomou conta de mim e transformou-me num robot cuja única missão era não comer. Não me importava com o sofrimento que causava aos outros só me importava comigo. Costumo dizer que precisava de não comer como um drogado precisa da próxima dose.

O ambiente em casa tornou-se insuportável. As refeições eram passadas em silencio e com os olhos pregados em mim, eu cortava o comer em pequenas migalhas e tentava espalha-las no parto de forma a parecer que tinha comido algo. O que eu comia de menos o meu irmão comia demais. Engordou imenso nessa altura, depois viemos a saber que é perfeitamente normal que isto aconteça a familiares próximos. Sentem o instinto de comer o que nós não comemos como se conseguissem transferir a comida para o corpo dp doente.

A minha mãe passava os dias a chorar, o meu pai chegou a dormir no carro só para fugir ao que se passava. Um dia estávamos a discutir e o meu pai levantou-se e disse que se ia atirar da janela porque não aguentava mais.

Acabei por pedir à medica para me internar porque queria sair de casa. Não aguentava as discussões, os choros, os olhares. A médica concordou que estava na altura e combinamos que daria entrada depois do ano novo. Foi assim que em Janeiro de 2000 dei entrada no hospital com 38 kg.

Vocês perguntam. Nós respondemos # 3.

Bom dia. Hoje é dia de respondermos a mais uma pergunta. como já tínhamos dito na rubrica anterior vamos esclarecer a nossa linda only one girl

 

Pergunta: Ola! Eu gostava de saber quais é que são os sinais que tiveram no início da anorexia e como pode começar.
É preciso serem muito corajosas para falarem disto, beijinhos.

 

Catarina:Os sinais nem sempre são claros e variam um pouco de pessoa para pessoa mas existem alguns que devemos estar atentos. A perda excessiva de peso e em pouco tempo pode significar que algo não está bem. O isolamento, temos tendência a isolarmos-nos dos outros porque assim ninguém percebe que não comemos. A utilização de roupas largas de forma a esconder o corpo. Depois existem sinais mais marcantes mas que só conseguem ser vistos por pessoas mais próximas. É o caso da perda da menstruação e o facto de o corpo ficar coberto por uma pequena penugem tal como nos bebes. No meu caso passei também por uma fase de irritabilidade quando se falava de comer. O exercício físico excessivo e a incapacidade de estar parado muito tempo pode ser também uma sinal de doença. Por vezes desenvolvemos tiques como não parar de mexer as pernas mesmo estando deitadas porque assim estamos a queimar calorias.

 

Vânia: Obrigada, minha linda. Bem, os sinais,como já dissemos, não os vemos. Nós não! Convém os pais estarem atentos, principalmente na fase da adolescência pois é quando as nossas cabecinhas são mais frágeis. No meu caso, emagreci imenso em pouco tempo. Embora usa-se roupas bem largas (andava numa fase ''yo'' por isso era normal), um dia a minha mãe viu-me ir para o banho e diz que conseguia ''contar os ossos''. Sim, foi mesmo a expressão que ela usou!
''Fugia'' das refeições. Ou seja, aos meus pais dizia que comia na escola, na escola dizia que comia em casa... tinha sempre alguma desculpa a dar.
Claro que andava fraca e com tonturas, claro que o meu estômago já acusava sinais de não andar bem e comecei a ficar muito pálida e com olheiras bem negras -os olhos ''fundos'' (as velhas lá da aldeia diziam que eu andava metida nas drogas).
Basicamente, foi isso. Depois tive consequências com o tempo que passei em recuperação. Mas estas foram as principais que me levaram à médica e, consequentemente, ao diagnóstico.

 

Esperamos que as nossas respostas tenham servido para esclarecer o assunto. Para a semana vamos responder à pergunta da querida Kikas.

 

A doença - Catarina

Na verdade não sei quando deixei de estar a fazer dieta e passei a estar doente. Inicialmente comecei a saltar refeições. Saia da escola dizendo que ia almoçar a casa, chegava a casa e não comia nada. Se, por acaso, a minha mãe já estivesse em casa dizia que tinha almoçado na escola. Comecei também a deixar de jantar. Como os meus pais tinham um restaurante na altura chegavam sempre depois da hora de jantar. Tínhamos sempre comer feito no frigorífico pelo que só tínhamos de o aquecer. Eu dava-me ao trabalho de tirar comer para um prato e deitar tudo na sanita. Assim os meus pais viam a loiça suja no lava-loiça e notavam que havia menos comida no tupperware.

Comecei também a evitar o autocarro e a caminhar o percurso entre escola e casa. Entre Setembro e Novembro perdi imenso peso. Lembro-me de me pesar quase diariamente e de todos os dias a balança marcar menos. Em Novembro a minha mãe resolveu levar-me ao médico porque achou que eu tinha emagrecido bastante. Na altura tinha perto de cinquenta quilos e a médica desvalorizou a minha perda de peso. Acho que era normal eu começar a ter uma preocupação com o meu corpo mas não viu sinais alarmantes até porque lhe menti e disse que comia de tudo. Continuei a perder peso e em Dezembro deixei de ter menstruação. Consegui esconder o assunto da minha mãe mas no mês seguinte ela percebeu o que se passava. Tornou a levar-me à médica que ficou um pouco alarmada por eu ter perdido mais quatro quilos em apenas dois meses. Sai do médico com prescrição para fazer análises e com nova consulta para quinze dias depois. Quando voltei já tinha menos dois quilos e as análises estavam com alguns valores alterados. Fomos encaminhados para a especialidade mas teríamos que esperar que nos indicassem a data da consulta.

Enquanto isto ia de mal a pior, passei de comer pouco para não comer nada. Passava ao dias sem comer, fazia imenso exercício, deixei de conseguir dormir. Deitava-me na cama à espera que os meus pais fossem dormir e assim que os ouvia a dormir levantava-me. Passava a noite a ver televisão, a jogar jogos ou simplesmente a contabilizar a quantidade de comer que tinha ingerido e a planear o que poderia comer no dia seguinte. Entretanto uma prima arranjou através de uma amiga o nome de uma especialista em Santa Maria. A psicóloga amiga teve até amabilidade de escrever uma carta para entregarmos em mão à doutora. Recebemos a carta e esta ficou pousada no móvel da entrada. No fundo havia a esperança que eu conseguisse dar a volta por cima mas essa esperança acabou por desaparecer pouco depois. Lembro-me de acordar na minha cama com o sol a raiar. Estranhei ter conseguido dormir, levantei-me e comecei a sentir-me mal disposta. Pensei que era melhor comer alguma coisa, não me recordava quando tinha sido a ultima vez que tinha comido algo. Coloquei uns cereais daqueles integrais na boca e senti-me desfalecer. Tentei correr para a casa de banho e gritei pela minha mãe. Só me lembro de perder as força e começar a vomitar. Senti a minha mãe a apoiar-me e consegui chegar à sanita. Vomitei imenso, o vómito tinha uma cor esverdeada e um cheiro indescritível.Queimava tudo por onde passava, sentia todo o meu esófago a arder. Era de tal forma acido que tirou todo o brilho ao chão no sítios onde caiu. Quando finalmente acabou os meus pais levaram-me para a cama deles. Deitei-me no meio deles como quando era pequena e tivemos uma longa conversa. Melhor dizendo eles falaram e eu chorei o tempo todo. Eles explicaram-me que não podia continuar assim e que me iam levar ao hospital. Vestimos-nos e fomos fazer plantão à porta do serviço para falar com a doutora. Quando a doutora chegou explicaram-lhe que estávamos à espera dela e ela mandou-nos entrar...''

E como se juntam duas bloggers que não se conhecem?

Bem, este post é uma surpresa á nossa Catarina... uma espécie de homenagem á guerreira que ela é e que admiro imenso! 

 

Vamos começar pelo princípio, certo? Pois bem, ambas já interagiamos no blog pessoal de cada uma sem sabermos da história de vida uma da outra, já tínhamos criado até alguns laços com o tempo. Um dia, uma rapariga, a Goretti, pedia nos blogs que a ajudassemos na sua tese, contando problemas alimentares. Eu, que nem sou nada desbocada, partilhei um pouco da minha história e a Catarina comentou que também tinha passado pelo mesmo. Trocamos histórias de vida e foi assim que nasceu esta irmandade.

Pouquíssimo tempo depois, fui contactada pela rtp para ir contar a minha história. Como estava a terminar o meu estágio não podia estar a pedir dias para lá ir e achei que a Catarina seria perfeita para nos representar. Contei á pessoa,  contactei a Catarina (claro!) e ela acabou por ir. Foi super prestàvel, embora estivesse nervosa. E acham que haveria alguém melhor para nos representar que uma pessoa que passou pela doença e agora é uma mãe babadona destas? Não! A Catarina era perfeita para falar por nós. (E esteve tão bem.)

E assim foi. No fim, tanto ela como eu achamos que nos soube a pouco, que abordaram pouco o assunto e que este tema merecia ser mais divulgado. Foi assim que nasceu o desejo de criar este blog. Após uns meses a falar, de pesquisas, de muito trabalho na escolha do nome e de como iríamos fazer isto, foi criado este menino. E já lá vai quase um mês e com um feedback fantástico. Obrigada a todos por isso!

 

Bem, vamos ao que interessa. Isto será sobre a Catarina. É um agradecimento da minha parte a esta pessoa fantástica. E porquê? Porque a admiro imenso , não só por causa do seu passado e do seu presente mas por ser sempre uma pessoa disponível para tudo e que tem ideias fantásticas que eu não teria. É por ela que este blog acaba por ter mais vida.

Obrigada minha linda, não poderia ter conhecido uma ''irmã na doença'' mais atenciosa e simpática. 

 

 E agora, convido-vos a ver a nossa Catarina no programa "Agora Nós" a dar a voz por nós. Obrigada Catarina ( Ela esteve tão bem, não esteve???)

 

Cá está o link:

http://media.rtp.pt/blogs/agoranos/artigos/viver-com-anorexia_8288

 

O início - Vânia

Ao contrário da Catarina, não tive propriamente um ''início'' desta doença. Desde sempre que me recordo de não gostar de comer e de deitar a comida fora -mesmo que fosse só um iogurte! Nunca tinha fome e quando era obrigada a comer inventava mil e um truques para não o fazer ou deitar a comida fora. (Acho que posso dizer que começou desde pequena e que acentuou em adolescente.)

Na minha adolescência tive um desenvolvimento tardio e era daquelas miúdas cujas ''pelosidades'' eram mais escuras e a minha mãe achava que eu era demasiado nova para começar a fazer depilação. Comecei a ser vítima de gozo por parte de alguns colegas de escola (eu sei que eram brincadeiras mas estava demasiado sensível para ver isso). Era também muito magra e não tinha ainda peito, ao contrário das minhas amigas que já eram todas desenvolvidas. Confesso que comecei a odiar o meu corpo, a ter nojo de mim mesma, a achar que era um monstro - sim, seria essa a palavra certa na altura!

Ao contrário da Catarina, nunca fui das meninas populares. Fui sim das que eram gozadas por não ser como as outras, embora tivesse muitos amigos e fosse bastante sociavel. Hoje sei que eram somente aqueles comentários que dizem por brincadeiras- eram rapazes! Basicamente eram comentários em brincadeira a dizer que saia ao meu pai, que se tinham enganado e que eu não era rapariga. Sorria quando diziam isso mas depois ia chorar para a casa de banho da escola, sozinha. Nunca desabafei com nenhuma amiga pois tinha vergonha... e tinha medo de ser ainda mais gozada!

Uns anos mais tarde, o meu peito, rabo e coxas desenvolveram imenso. Isso fez-me ganhar uns quilos valentes. Comecei a odiar ainda mais o meu corpo, ganhei estrias e apanhava rapazes a olhar para o meu rabo, principalmente. Na minha cabeça, eles achavam-me horrível e iriam gozar comigo. Já tinha sido gozada antes, porque seria agora diferente?

Além disso, as minhas amigas usavam o 36 e 38 e eu lá andava nas minhas calças 40 e 42... Eu, a gorda!

Seguiu-se assim a minha ''dieta'' - comer meia maçã por dia. Somente e apenas a minha meia maçã...

O inicio - Catarina

Nunca gostei muito do meu corpo. Não sei bem porque mas a verdade é que nunca me senti à vontade com ele. No entanto vivia feliz, era uma autêntica maria rapaz. Adorava jogar à bola, ao berlinde, ao mata, subir às árvores, etc. Por volta dos doze anos o meu corpo mudou e a minha vida tomou um rumo diferente. Deixei de ser a companheira dos rapazes porque passei a ser alvo de admiração. Não me pude juntar às raparigas porque nunca fomos muito amigas e para além disso eram demasiado infantis para mim.

Deixei de ser uma rapariga que se dava bem com todos. Eu continuava a querer dar-me bem com todos mas os rapazes já não me tratavam da mesma forma. Nunca me achei bonita nem interessante mas o facto de ter desenvolvido corpo de adolescente primeiro que as outras transformou-me numa garota popular. O problema é que eu não queria ser popular. Não queria ver os meus amigos lutarem porque um deles me acertou com uma bola e me poderia ter aleijado. Não queria ter que cumprimentar a escola toda quando entrava e ser apresentada a rapazes a toda a hora. Aos doze passava perfeitamente por dezasseis pelo que podem imaginar que a atenção vinha de todas as faixas etárias.

Aos treze eu e uma das minhas poucas amigas apaixonamos-nos pelo mesmo rapaz. Eu ganhei o rapaz mas afastei a amiga embora esta me tivesse dito que não havia problema. Mais tarde no verão fiquei um mês na terra do meu pai. Ao longo deste tempo foram passando visitas. Umas das visitas foram uns primos que acabaram por deixar connosco o enteado do meu primo. Ele era mais novo do que eu mas sempre nos demos muito bem. Tornamos-nos inseparáveis, jogávamos cartas, passeávamos, conversávamos. Senti que tinha ganho um amigo para a vida até que regressamos a Lisboa e nunca mais tive noticias dele. Estranhei o facto de se afastarem de um momento para o outro, vim depois a saber que regressou de férias apaixonado por mim e a mãe achou por bem impedi-lo de me ver. Mais uma vez perdi um amigo e senti-me sozinha.

Ao chegar aos quatorze vi-me numa relação sem perceber bem como. Nunca amei o rapaz em causa mas tinha muita pena dele. Conheci-o e aos poucos fui sabendo da história familiar dele. Sofrimento atrás de sofrimento e não fui capaz de lhe causar mais desgosto. Contudo depressa percebi que nunca o iria amar, a nossa relação iria basear-se no facto de sentir pena dele o que não era aceitável para nenhum dos dois. Ao mesmo tempo conheci o meu marido e percebi que não poderia continuar com aquela farsa.

Acabei o namoro, a noticia espalhou-se e no dia seguinte já tinha o meu homem à perna.Poderiam ser tempos felizes mas a verdade é que não foram. O meu ex ligava-me todos os dias alcoolizado. Chorava e pedia-me para voltar para ele. Perguntava-me o que tinha feito de mal e ameaçava matar-se. Eu morria de medo que se matasse afinal a mãe dele já o tinha feito e tinha sido ele a encontrá-la. Temia o que seria dos três irmãos mais novos se ele fizesse uma loucura. Sentia-me mal, sentia-me lixo. Afinal eu tinha trazido aquilo para a minha vida. Eu tinha brincado com os sentimentos dele embora não por maldade. Juro que o tentei amar mas não mandamos no coração.

Todos os dias a mesma coisa. Tremia de cada vez que o telefone tocava mas corria imediatamente para ele com medo que a minha mãe atendesse. Ouvia-o chorar, eu chorava do lado de cá e sentia-me a pior pessoa do mundo. Não podia falar com ninguém. Não podia contar à minha mãe, tentei contar as amigas mas para elas eu só tinha que deixar de lhe dar troco. Tentei contar ao Rodrigo, ele ouvia-me mas ficava ruído de ciumes. Tratei então de guardar tudo para mim e tentar arranjar uma solução. Após alguma reflexão percebi que o meu corpo era o culpado por tudo o que me corria mal na vida. Achei que se emagrece-se  meu ex ia deixar de gostar de mim. Os outros rapazes iam deixar de olhar para mim afinal eles gostavam era de curvas. Se eu não tivesse curvas tudo iria melhorar e eu iria conseguir ser feliz.

E foi assim que eu resolvi perder 5 kg.

 

Beijinhos,

Catarina

 

Vocês perguntam. Nós respondemos #2

Está mais que na hora de respondermos à questão que a Pink nos colocou. É uma questão muito importante porque nos faz entender porque motivo não percebemos que estamos doentes. Sei que muitos terão visto, ou lido, sobre este aspecto da anorexia e certamente terão pensado que na realidade não era assim. Nós vamos explicar-vos como foi connosco.

 

P: Eu gostava de saber se aquela imagem banal de estarem magras e olharem ao espelho e verem uma pessoa gorda, corresponde a um dos sintomas da doença?

 

Catarina: Por muito estranho que pareça a verdade é que a imagem que vemos ao espelho nunca corresponde à nossa imagem real. No meu caso eu não me via gorda até porque nunca me achei gorda mas não me via esquelética. Olhava no espelho e diz-me sempre igual a como era quando comecei a emagrecer. Ia perdendo peso, a balança marcava menos, as roupas ficavam mais largas mas o espelho não acompanhava. A verdade é que a nossa mente cria que uma imagem no nosso cérebro e é essa imagem que vemos reflectida no espelho. Podemos ter menos 20 kg mas o reflexo continua inalterado.

 

Vânia: Bem, no meu caso, via-me gorda. Confesso que raramente me olhava ao espelho e só me pesava na médica mas, quando o fazia, achava que estava horrível...
O facto das minhas colegas vestirem o 36 e 38 e eu o 40 e 42 não ajudava... mas, não estava gorda. Apenas tenho as ancas grandes e tinha muito peito e rabo (que fugiram quando emagreci!). Hoje em dia sei que era isso. Mas, naquela altura, só via gordura e queria caber numas 38 - coisa que nem com 47kg's aconteceu...
Recordo-me de que o caminho da paragem de autocarro para a escola me fazia passar por umas montras e lembro-me de ver o meu reflexo e começar a chorar. Achava que estava gorda e que nunca seria magra. Que nunca iria vestir o que elas vestiam... (na altura já deveria ter os meus 50kg's pois foi depois de já ter sido diagnosticada.)
É estranho, mas acontece mesmo! Nós não nos vemos emagrecer. Não nos vemos magras. E ansiamos ser magras.

Na próxima rubrica vamos responder á nossa queria Only one girl

Para quem não nos conhece...

Percebemos agora que começamos o blog sem nos apresentarmos devidamente. Muitos dos que nos lêem já nos conhecem mas muitos não fazem ideia de quem somos. Resolvemos por isso fazer uma pequena apresentação formal.

 

- Olá eu sou a Catarina tenho actualmente 32 anos. Trabalho como supervisora num operador logístico e tenho quatro filhos que me enchem o coração de orgulho.

A anorexia entrou na minha vida tinha eu 14 anos. Durante os dois anos seguintes limitei-me a deixar que ela manda-se em mim. O meu dia a dia limitava-se a contabilizar o que comia e o que não comia. O objectivo era comer cada vez menos até que pura e simplesmente deixei de comer. Passei por um internamento, muitas consultas e terapias. Tive pontos altos e baixos até que finalmente aos 18 anos tive alta das consultas. Hoje em dia tenho uma vida perfeitamente normal. Não foi fácil, não foi rápido mas é possível.  Mais tarde vamos contar-vos as nossas histórias para que percebam que há luz ao fundo do túnel.

 

-E olá, eu sou a Vânia. Tenho 28 anos, sou do signo peixes e estou, neste momento, desempregada. Ao contrário da Catarina, só tenho um gato. Nada de filhos, ainda. :-p

No meu caso, julgo que anorexia sempre existiu na minha vida. Desde pequena que não gostava de comer nem nunca tinha fome. Deitava comida fora, dava-a aos animais ou escondia-a. Cheguei até a leva-la na boca e deita-la na sanita para a minha mãe não ver!
Sempre fui extremamente magra até aos meus 15\16 anos. Nesta altura ganhei muito peito, rabo e pernas. (Como dizem os meus amigos, estava ''boazuda''.) Devo ter tido 76 ou 78kg's mais ou menos e, em muito pouco tempo, emagreci á volta de 20kg's. Foi nesta altura que a minha mãe pegou em mim e me levou a uma consulta onde fui diagnosticada como tendo uma anorexia nervosa. Ainda emagreci mais 10kgs durante todo o processo mas, com muita ajuda e força de vontade posso dizer que fui superior a ela (lá para os 20 anos, penso eu) e que estou cá para contar a minha história.
Com o tempo ganhei gosto pela cozinha e, hoje, adoro comer! Quem diria, han? :-)

 

E somos nós!

Para quem não nos conhece, ficaram a saber um pouco das nossas histórias e de quem somos. Ao longo dos tempos vamos desvendando mais um bocado e esperamos que possamos contribuir para que exista mais informação sobre a doença da qual ambas fomos vítimas. 

Um muito obrigada a todos, mais uma vez, pelo carinho e seriedade com que nos tratam a nós e a este nosso projecto.

Agradecemos também ao blog Delito de Opinião pela divulgação do nosso blog. Muito obrigada, Pedro!