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Duas Bloggers, Duas Histórias, Uma Doença : A Anorexia.

Duas bloggers, irmãs na doença, juntaram-se num só blog para contarem as suas vitórias. O nosso objectivo será sempre ajudar (se possível) quem esteja a passar por esta doença... a anorexia!

Outras histórias...

Saiu um artigo no Expresso que nos foi somente um bocadinho familiar. Sim, "somente um bocado familiar" pois nenhuma de nós chegou ao ponto em que a protagonista desta história chegou.

Também a nossa querida Débora, do blog Heidiland, achou interessante esta matéria e lembrou-se de a partilhar conosco. Partilhamos convosco também (poderão ver a matéria completa em A anorexia tirou-lhe dez centímetros de altura. E muito mais.).

 

"Levados ao limite, os distúrbios alimentares matam. Tratados, são curáveis. No verão, as adolescentes expõem os corpos, comparam formas, tomam decisões. Algumas escolhem o caminho da privação alimentar. Desde 2010 realizaram-se 12.858 consultas e só em 2015 foram 47 os internamentos no Hospital de Santa Maria. Patrícia é um caso-limite. Há 25 anos sofre de anorexia nervosa. A doença provocou-lhe uma severa osteoporose e, quando estava a morrer, apenas nos Estados Unidos encontrou solução para lhe sustentar a coluna. Conta o que passou para que não se repita"

 

"Aos 34 anos, o peso mínimo que Patrícia chegou a ter foi 20 quilos. Pouco, para quem media 1,60 metros. O cérebro deixou de responder a contento e os órgãos começaram a falhar. Hoje, depois de vários internamentos e de uma complexa cirurgia nos Estados Unidos, Patrícia pesa 38 quilos e come para mudar um percurso de vida marcado por uma anorexia nervosa grave. Pelo caminho perdeu dez centímetros de altura e ganhou oito parafusos cromados na coluna. Escolheu morrer, mas foi-lhe dada a oportunidade de viver e por isso decidiu contar a sua história. Porque acredita que será possível ajudar outras jovens a evitar a privação alimentar severa.

 

1. NO INÍCIO, LAVAVA AS MÃOS

“Desde que sou gente que me recordo de ter uma relação especial com a comida. Lembro-me de estar sempre a lavar as mãos, até criar frieiras. Acho que comecei a fazê-lo com nove anos. Pensava que tudo o que entrasse no meu corpo tinha de ser puro. No fundo da minha memória há uma recordação de estar a mamar e não querer, sentir repugnância.”

Assim, num golpe, Patrícia explica como o distúrbio alimentar começou. Como se fosse indissociável da própria identidade. A doença foi-lhe diagnosticada aos 13 anos, quando passou a ser acompanhada psicologicamente. Tem 39 e é considerada pela equipa que a acompanha no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, como um dos casos mais graves que ali deram entrada. É um exemplo limite que serve para mostrar até onde a privação alimentar pode levar uma pessoa. A maior parte dos casos de anorexia nervosa que são tratados recuperam e apenas 30% se tornam crónicos (ver entrevista abaxo). É o caso de Patrícia. Nada no seu relato é ficcional.

 

2. LINHAS ARREDONDADAS NÃO

“Não gostei de ver os meus seios a crescer e as ancas a arredondar. Comecei a usar T-shirts em cima de T-shirts para esconder o corpo. Queria travar aquilo. Tinha medo. E não era de comida. Não sei do que era. Aos 13 anos fui fazer uma ecografia porque a minha menstruação não era regular e encaminharam-me para uma consulta psiquiátrica. Foi no verão e o médico recomendou o internamento. Na altura, eu estava sempre a pensar no que poderia fazer para não comer. Tinha muita fome, mas, mais importante do que me saciar, era encontrar uma forma de enganar as pessoas e não comer. Cheguei a pesar 27 quilos.”

Durante dois meses Patrícia esteve internada. No hospital, apenas outra jovem, então com 20 anos, lhe servia de espelho. Foi a primeira vez que conviveu com uma pessoa com anorexia. Alguém que conseguia ser ainda mais magra do que ela. Um dos passatempos era a comparação do diâmetro das coxas e a outra batia-a aos pontos porque tinha as pernas ainda mais estreitas. Em ambas, o mesmo sentimento de desconforto e inadaptação.

 

3. GANHAR PESO E AINDA SER MAGRA

“Entre os 15 e os 28 anos pesei cerca de 45 quilos e estava satisfeita porque ninguém me chateava e ainda diziam que era magra. Acabei o colégio, entrei para Arquitetura, fui estudante Erasmus em Paris, comia baguetes. De volta a Lisboa, comecei a trabalhar em cinema, à frente das câmaras, e parecia que finalmente me tinham dado uma vida para viver: a da personagem. Quando atuava não pensava em comida. Foi a altura em que me senti feliz no meu corpo. Mas o meu único irmão morreu de leucemia. Eu tinha 28 anos e ele tinha 31.”

Não comer foi a saída encontrada por Patrícia para lidar com a perda. Em causa já não estava o objetivo de ser magra, simplesmente não conseguia comer. O corpo dela estava programado para ter fome e no fim do curso pesava 32 quilos. Passaram-se seis anos de alimentação insuficiente, durante os quais foi perdendo peso, gordura, músculos. Tinha dores terríveis e ficou encurvada. Os órgãos estavam comprimidos, sem espaço para funcionar corretamente, sofria de diarreia. O pescoço não podia sustentar-lhe a cabeça. Patrícia não queria, mas, mesmo que quisesse, não conseguia alimentar-se. Aproximou-se do peso limite: 20 quilos.

 

4. RESPIRAR, SÓ NOS ESTADOS UNIDOS

“Aquela era a pior maneira de estar viva. Sofria de um achatamento intervertebral devido à osteoporose causada pelos muitos anos de anorexia. Estava disforme e custava-me respirar. Certo dia, enquanto fazia exercício, senti a coluna estalar e as vértebras ruir. Procurei ajuda na internet e um cirurgião respondeu-me do Hospital Monte Sinai, em Nova Iorque. Disse que me operava se eu pesasse 20 quilos. Tinha 34 anos e aqui em Portugal ninguém queria ajudar, diziam que não tinha peso suficiente para suportar a cirurgia. Estava a morrer. A operação nos Estados Unidos era muito cara, mas o meu pai, que sempre foi o meu pilar, já tinha perdido um filho e sabia que estava a perder a única filha que lhe restava. Vendemos a nossa casa em Lisboa. Era a minha vida ou a casa.”

A cirurgia de osteosíntese para juntar as vértebras da coluna com parafusos no Monte Sinai em 2012 custou cerca de 270 mil euros aos pais de Patrícia. Tiveram de se mudar para uma casa da família na zona da Covilhã. E foi ela quem tratou de tudo para partir. Além dos detalhes burocráticos, do envio de exames por e-mail, era preciso preparar a alimentação: saquinhos com cereais integrais e tofu. Em Nova Iorque, o neurocirurgião que a operou ficou tão impressionado com a situação que não hesitou em avançar, apesar dos riscos. No dia em que completou 35 anos, Patrícia foi operada.

 

5. NA CIDADE QUE NÃO DORME

“Quando cheguei ao hotel, parecia que todos olhavam para mim por ser tão magra. No hospital, nas vésperas da operação, os médicos mandaram-me comer tudo o que conseguisse, um conselho assustador para qualquer anorética. Eu pensava que não iria suportar a cirurgia e sentia-me tranquila por ir morrer. Estava à espera disso há muito tempo. Mas no dia a seguir à operação, acordei. Foi uma sorte. Agora quero viver. Nunca mais quero sentir a sensação de ter menos de 35 quilos, quando o meu cérebro não me responde. Quanto mais alimento dou ao meu corpo, menos anoreticamente eu penso.”

Patrícia partiu sozinha para Nova Iorque. Com ela, levava os seus 20 quilos e pequenos sacos com amêndoas secas. Ficou cerca de um mês. A recuperação foi dura porque tinha dificuldade em andar devido à falta de forças e o movimento fazia parte do tratamento. Os médicos insistiram, apoiaram-na. O corpo dela assemelhava-se ao de uma mulher com 80 anos. Depois da cirurgia, usava um colete plástico para alinhar a coluna e tinha uma grande cicatriz nas costas.

 

6. NADA É MAIS PERFEITO DO QUE O ZERO

“De regresso a Portugal, continuei a restringir a alimentação. E a fazer exercício. Como não consigo fazer muito mais, andava. Acordava de madrugada, saía descalça, no frio, e andava muito, subia escadas. Quando cheguei aos 22 quilos fui internada no Hospital da Covilhã e entubaram-me, alimentaram-me por sonda. Foi como se tivesse sido violada. Mas sobrevivi. Vim para Lisboa para novo internamento. Há dez anos que nada mais se passa na minha vida. Mas desta vez vai correr bem: finalmente fiz as pazes com a morte do meu irmão.”

Este ano, em Santa Maria, Patrícia não foi sedada. Medicada, sim. Os médicos administraram-lhe uma dieta hipercalórica. Hoje, quando se deita, os parafusos doem-lhe. Estão lá para ficar. Pesa 38 quilos e a meta são os 40. Sabe que se baixar novamente para os 20, morre. O corpo parou de se desmoronar, mas há um longo caminho a percorrer. Deixar de comer dá-lhe imenso prazer: “Ainda sou prisioneira, continuo a pensar que nada é mais perfeito do que o zero, que um corpo vazio está limpo e organizado. O meu corpo é o meu campo de batalha. 

Por: Christiana Martins

 

Nós as duas desejamos imensa força a esta guerreira. Nenhuma de nós passou pelo mesmo que ela mas ficamos solidárias e achamos de extrema importância mostrar no nosso blog a história da Patricia. 

Um beijinho na alma desta guerreira... e um nas vossas!