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Duas Bloggers, Duas Histórias, Uma Doença : A Anorexia.

Duas bloggers, irmãs na doença, juntaram-se num só blog para contarem as suas vitórias. O nosso objectivo será sempre ajudar (se possível) quem esteja a passar por esta doença... a anorexia!

Por dentro da cabeça de uma anorética...

Ao longo deste blog, contamos as nossas histórias e partilhamos alguns relatos assim como artigos sobre anorexia. Mas, acho que nos faltou um pouco do chamado "nu e cru" das recaídas. (Sim, elas podem existir!)

Pois bem, o que sente uma pessoa com anorexia? Nem ela sabe! É um medo de não corresponder a "padrões", é uma falta de visão real sobre o seu próprio corpo, é o odiar-se a si mesma!  

"Ai, Vânia. Que exagero!" 

Infelizmente, não o é. Não vemos o que vocês vêem...

Há uns dias inclusive, mandei mensagem à minha irmã, psicóloga e que viveu estas fases com uma anoréctica.

Estive a rever fotos de uma recaída que tive há pouquíssimo tempo atrás (aproximadamente 4/5 anos). E, eu mesma, estava abismada com o meu corpo. Isto porque, eu NUNCA me vi assim naquela altura. Vocês imaginem alguém modificar uma foto vossa e diminuir/aumentar o vosso peso. É algo que nunca viram e estão a ver pela primeira vez. Foi exactamente isso que senti. 

Sempre soube que a nossa noção da realidade corporal era complicada. Que não tínhamos uma ideia -ao certo- de como somos. Mas, este choque de realidade (porque já se tinham passado uns anos) assustou-me. Até porque não tenho fotos da minha "pior fase" e, acho que nem quereria. Mas penso, como será então que estava se, numa pequena recaída, fiquei chocada?! É um sentimento confuso. Como que vivendo uma realidade paralela à nossa. Eu sei que sou eu. Mas não pareço eu e não sinto que sou eu. (Não sei se me estou a fazer entender). Sei que passei por essa fase, mas não faço ideia do que foi. Conseguem perceber a confusão? Basicamente, vivi algo, não me recordo de muito e sinto que parte nem fui eu que vivi. 

Ainda hoje, não tenho uma relação com a balança nem com o espelho. Até porque, não me adianta de nada! Anos se passaram e creio que nunca me verei magra mesmo que o esteja.

Hoje em dia estou "bem" e até preciso de perder uns kgs mas sei que, mesmo que estivesse "magrérrima" e numa dessas fases, iria pensar o mesmo.

Complemento-me com o exercício pois sei que a alimentação sempre será um 8 e um 80. Criei manhas dentro da minha própria cabeça para não me deixar ir... e é isto. 

Mas, este é o meu caso... 

E continuo a dizer que me preocupa imenso os jovens e esta nova fase das redes sociais de falta de filtros em que tudo é dito sem empatia, onde tudo é partilhado sem responsabilidade social ... 

Chegar á idade adulta e ter um passado com anorexia...

Quem teve\tem anorexia, vai entender o que digo quando falo que me irrita o olhar chocado das pessoas quando descobrem que sofri\sofro de anorexia. Nem eu mesma sei explicar certas coisas e tive\tenho a doença. A verdade é que, há 15 anos atrás, a informação sobre a anorexia era pouca (eu nem sabia que existia tal coisa até ao diagnóstico -confesso) e hoje é um assunto que vem por modas, ou seja, parte das pessoas que divulgam informação sobre isso, é somente para dar conhecimento de que famosa\o "X" tem um distúrbio alimentar. 

Quando ouço determinadas baboseiras, revelo o meu passado. Com vergonha e receio, mas revelo! Creio até que foi para isso que nós criamos este blog - para dar mais informação na primeira pessoa. 

Felizmente, ainda há quem não se esqueça de que é real, é uma doença e é uma incógnita para muitos, ainda. Os mais desinformados, continuam a achar que é uma "mania das dietas" e que só tem quem quer e quem não tem cabeça (ouvi isto tantas vezes!). 

Actualmente tenho 32 anos. Tive uma anorexia na adolescência. Tive 2 recaídas leves. Consegui ser mais forte do que a doença. Achei que estava curada até começar a ter uma recaída, aos 29 anos (creio que foi nessa idade) e entrar em outra o ano passado. Achava que tinha tido anorexia e que ela ficava no passado. Nunca me preocupei se iria recair porque achava que, uma vez curada, esse fantasma não me iria assombrar mais... Enganei-me! 

Hoje, olho para o passado e vejo-a como uma pedra no caminho que me é atirada de vez em quando. Cabe a mim voltar a tirá-la do meu caminho e ter força para tal. Até porque a principal medicação contra a malvada, é a nossa força de vontade. Acabamos por descobrir artimanhas para a enganar. Eu uso o desporto. 

Com isto da pandemia a minha alimentação é horrivel, mas compenso com corridas. 

E pronto... É assim que tenho vivido com o meu fantasma. Mandando-o dar uma curva quando se lembra de aparecer! 

 

Um Ano Feliz,

Vânia

Recaidas...

Olá gente boa. 

Andamos desaparecidas aqui do blog - eu,Vânia, ando desaparecida dos blogs em geral- mas senti necessidade de vir escrever por aqui. Tinha sentido. Precisava.

Bem, sempre tive medo de me deixar cair outra vez mas, pensava eu, não seria fácil. Achamos que , se superamos uma vez e que, se tivemos força para lutar contra ela, não nos deixaremos cair (afinal de contas a maldita faz parte do passado -pensamos!). Eu deixei. Quase caí fundo... Foi uma mistura de stress no trabalho, muitas horas laborais e o término de uma relação. O cansaço psicológico achou que estava na altura de aparecer e a sacana também. Não fui á médica. Recusei-me a aceitar que estava outra vez a entrar de onde tanto me custou a sair. Emagreci novamente bastante. E dei a desculpa a toda a gente que teria sido efeitos de uma colonoscopia. Que o meu organismo não gostou da preparação do exame nem do pós (o que não deixou de ser verdade pois andei uma semana a comer muito mal). 

Passei a vestir o 36. Coisa que nem sabia o que era há 15 anos. Tive de comprar calças. Até as minhas leggins me ficavam largas. 

Cheguei aos 54\55kgs... Não sei ao certo pois desisti de me pesar.

Não comia. Não conseguia! Não tinha apetite. Não tinha vontade. Não me apetecia sequer. Não me via magra mesmo ouvindo isso de toda a gente umas 20 vezes ao dia. Por alguma razão eu NUNCA me vejo magra. Não vos sei explicar ao certo, olho-me ao espelho e não vejo magreza, esteja com o peso que estiver. 

Felizmente, não precisei de cair mais. Ouvir todos os dias o mesmo mexeu-me com a cabeça. Não fui sequer a uma consulta! Andei a fugir da médica 2 meses até ganhar peso...

Sabem o que me motivou a voltar a comer? Desporto. Comecei a correr, a ir ao ginásio, voltei á piscina... e a fome voltou! 

Mais uma vez, comprovei que esta filha da mãe aparece quando a cabeça fraqueja e só vai quando a cabeça se lembra de ganhar força. Temos de ser nós. Por nós! 

 

O blog também foi à Sic... com a Catarina!

 Há umas semanas fomos contactadas pela Patrícia, da Sic, para participarmos num programa chamado "A Vida nas Cartas - O Dilema" com as nossas histórias e o nosso pequeno projecto. Porém, sendo eu de longe, não me pude deslocar até perto da nossa Catarina e disse-lhe que confiava nela para contar a sua história e falar sobre o nosso blog. Sem dúvida alguma que a nossa menina é uma óptima oradora e não poderia representar melhor este cantinho! Eu mesma não faria melhor nem sequer igual... (A sério, ela esteve mesmo bem, não esteve?)

O tempo de reportagem é curtinho, a sua história foi resumida ao máximo e conseguiu até falar sobre o " Duas Bloggers, Duas Histórias, Uma Doença : A Anorexia." Como foi falado pouquinho do seu trajecto, se quiserem conhecer melhor a história da nossa menina, basta carregarem em cima do nome da Catarina lá em cima. Assim conseguirão acompanhar toda a sua luta contra esta doença. 

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 Euzinha, que sou uma medricas nestas coisas, só tenho de agradecer a esta irmã que a doença me deu, por dar a sua voz, a cara (e eu sei que ela estava nervosa!), tempo e dedicação e ainda por partilhar a sua história connosco. Sinto-me extremamente orgulhosa desta mulher guerreira que, mesmo com tão pouco tempo pessoal disponível, ainda o perde a ajudar. E tenho de lhe agradecer por toda a dedicação a este projecto e por todo o carinho... Obrigada minha irmã!  Por teres até a coragem que eu não tenho...  E sei que desta vez te custou mais um bocadinho mas ficaste tão bem e representaste-nos tão bem!

 

Aproveito para agradecer todo o apoio que temos tido e todas as ajudas que já nos deram. Obviamente que não é só um projecto nosso, é de todos! Agradeço imenso. 

 

V*

 

A ignorância da falta de informação

''Tiveste anorexia porque quiseste''

Se há coisa que me irrita e me deixa fula da vida, é quando ouço uma coisa destas! E, provém muitas vezes de pessoas que me eram chegadas na altura...
''Ah. Naquela altura em que tinhas as manias das dietas?'' 
Qual a parte que as pessoas não percebem de que não é uma dieta e muito menos é uma mania?!
Como é possível ainda existir tanta falta de informação e de sensibilidade ?! Vocês não imaginam o possessa que fico quando ouço destas pérolas! E sim, ouço-as mais vezes do que imaginaria...
Foi, por coisas destas, que eu e a Catarina tentamos  desmistificar um pouco essa doença.  Porque ouvir estas coisas, magoa. A serio, magoa mesmo! Parece que nos culpam por termos estado doentes. Que somos nós as culpadas por ela existir.
EU NÃO TIVE  ANOREXIA PORQUE QUIS. EU NÃO ESTIVE DE DIETA! 
Vocês pensem bem quando falam...imaginem que um filho vosso tem esta doença. Vocês vão continuar a agir assim, com ignorância?  Por favor não o façam! Não irá ajudar. Muito pelo contrario!  Tentem informar-se um pouco. Se não ajudam, não atrapalhem. (Sim, acreditem que pode atrapalhar muito na recuperação de alguém com anorexia). A anorexia é uma doença e deve ser tratada como tal. 

A doença - Vânia

(Continuação daqui)

...e essa meia maçã começou a ser a única coisa que comia todos os dias por volta da hora de almoço. Quando o corpo me pedia mais alguma coisa, ou seja, quando eu me começava a ir abaixo, comprava uma fatia de salame- e não a comia toda. Mas isso apenas acontecia esporadicamente.

Emagreci muito. E em pouco tempo. Usava roupas largas já antes de emagrecer por isso era difícil de se perceber os quilos que já tinham sido perdidos.
Embora existisse sempre uma preocupação da minha mãe sobre as minhas refeições, eu mentia. Não tenho jeito para mentir. A sério que não! Sou daquelas pessoas que vão a meio da mentira e já se estão a rir feitas parvas. Mas nesta altura tornei-me numa mentirosa ''profissional''. Dizia que tinha comido bem na escola ou com os meus amigos de escolas diferentes (ela não sabia quem era por isso estava tranquila). Aos meus amigos dizia que tinha de comer em casa. Coisas do gênero. As mentiras iam saindo conforme os dias. Embora ache que a minha mãe começava a desconfiar pois as perguntas eram cada vez mais frequentes, penso que ela nunca esperou que chegasse ao ponto que cheguei. Até porque, há quase 15 anos, a anorexia não era tão conhecida como é agora e a maioria das pessoas nem sabiam o que isso era.
Um dia, ao entrar no duche, a minha mãe entrou na casa de banho e ficou preocupada. Segundo ela, ''dava para contar os ossos''.
Decidiu marcar consulta na médica de família. Foi aqui que fui diagnosticada, deveria ter 15 ou 16 anos, talvez. E seguiram-se tempos de consultas semanais, quinzenais e depois mensais. Entre pesagens, medições, análises, exames e vitaminas, as minhas notas baixaram e quis desistir da escola no meu 11ano mas a minha mãe não deixou. Nunca tive uma negativa, mas baixei imenso a média que tinha e isso desmoralizou-me. Desisti de dançar no rancho folclórico (adorava dançar e conhecer pessoas de todo o país) pois não tinha forças para longas viagens e para o meu fato que até era pesado. Apesar de desistir do rancho, continuei a participar em todos os torneios desportivos entre escolas mas o meu rendimento não era o mesmo. Chegava a ficar com tonturas e tinha de parar ou ser substituída. Algumas vezes fui até ao hospital com fraqueza ou até porque caia... claro, não tinha forças para aguentar as canetas!
Todos os dias a minha mãe e a minha avó me telefonavam nas refeições para garantir que comia alguma coisa. Chegaram a haver dias em que a minha avó me ligava a chorar e a implorar que comesse. E isso mexeu comigo! Também a minha prima (fomos quase sempre da mesma turma) e amigos começaram a acompanhar-me nos almoços mesmo que eu lhes tentasse dar a volta para que não o fizessem. Levavam-me aos meus sítios preferidos para garantir que comia alguma coisa. A minha mãe e avó cozinhavam sempre o que eu mais gostava!
Aos poucos fui começando a comer...
Porém, a escola acabou e, embora já comesse melhor, ganhei problemas no estômago. Tudo o que comia, vomitava. Andei assim um ano até ser correctamente medicada e o problema começar a ficar controlado. Foi uma das mazelas com que fiquei, entre muitas.
Em 2010 comecei a cozinhar e a ganhar gosto pela comida. Não sabia o que era gostar de comer ou ter fome, até aí!
E cá estou...

O início - Vânia

Ao contrário da Catarina, não tive propriamente um ''início'' desta doença. Desde sempre que me recordo de não gostar de comer e de deitar a comida fora -mesmo que fosse só um iogurte! Nunca tinha fome e quando era obrigada a comer inventava mil e um truques para não o fazer ou deitar a comida fora. (Acho que posso dizer que começou desde pequena e que acentuou em adolescente.)

Na minha adolescência tive um desenvolvimento tardio e era daquelas miúdas cujas ''pelosidades'' eram mais escuras e a minha mãe achava que eu era demasiado nova para começar a fazer depilação. Comecei a ser vítima de gozo por parte de alguns colegas de escola (eu sei que eram brincadeiras mas estava demasiado sensível para ver isso). Era também muito magra e não tinha ainda peito, ao contrário das minhas amigas que já eram todas desenvolvidas. Confesso que comecei a odiar o meu corpo, a ter nojo de mim mesma, a achar que era um monstro - sim, seria essa a palavra certa na altura!

Ao contrário da Catarina, nunca fui das meninas populares. Fui sim das que eram gozadas por não ser como as outras, embora tivesse muitos amigos e fosse bastante sociavel. Hoje sei que eram somente aqueles comentários que dizem por brincadeiras- eram rapazes! Basicamente eram comentários em brincadeira a dizer que saia ao meu pai, que se tinham enganado e que eu não era rapariga. Sorria quando diziam isso mas depois ia chorar para a casa de banho da escola, sozinha. Nunca desabafei com nenhuma amiga pois tinha vergonha... e tinha medo de ser ainda mais gozada!

Uns anos mais tarde, o meu peito, rabo e coxas desenvolveram imenso. Isso fez-me ganhar uns quilos valentes. Comecei a odiar ainda mais o meu corpo, ganhei estrias e apanhava rapazes a olhar para o meu rabo, principalmente. Na minha cabeça, eles achavam-me horrível e iriam gozar comigo. Já tinha sido gozada antes, porque seria agora diferente?

Além disso, as minhas amigas usavam o 36 e 38 e eu lá andava nas minhas calças 40 e 42... Eu, a gorda!

Seguiu-se assim a minha ''dieta'' - comer meia maçã por dia. Somente e apenas a minha meia maçã...